segunda-feira, 9 de junho de 2014

Espelho


De um jeito bizarro, depois de menos de três segundos e meio estávamos um ao lado do outro conversando e dividindo os fones de ouvido. Depois de quatro minutos, falávamos sobre nossos gostos em comum. Depois de uma hora, imaginávamos como o mundo seria mágico se ele fosse como queríamos que fosse e voássemos em vassouras de um lado para o outro. Depois de um dia, trocávamos confissões e desabafos. A conversa fluía, tudo muito, muito rapidamente. 
Entrou na minha vida sem tocar a campainha e logo se jogou no sofá, atirou os tênis no canto da sala e colocou os pés em cima da mesa de centro. Ligou o som e colocou a música que bem quis e, coincidentemente, era o que eu costumava ouvir. Começou a folhear meus livros e notou uma congruência de gostos. Largou os livros de lado e fez cara feia quando viu morangos na geladeira, sorri e disse: não são meus, odeio morangos. Ele falou alto o quanto odiava morangos e repetiu mil vezes. Gargalhamos, era inexequível tanta coincidência.
Decidi investigar um pouco mais, adentrei em um universo alheio de dragões e aquários. O mais esquisito é que o universo de outrem era exatamente igual ao meu. Nós conversávamos sobre nossos conflitos internos e, incrivelmente, eles eram os mesmos. Completávamos as frases um do outro e achávamos chocante o indício do nascimento de uma amizade num contexto fantástico: o da fantasia concreta.
Desde então, olho no espelho e sou capaz de ver o reflexo do amigo que a vida me deu e não hei de deixar ir embora. Entro em meus pensamentos e sei que há alguém com pensamentos iguais aos meus. Quando estou próxima do precipício, corro em busca dos meus braços, ou melhor, seus abraços simbólicos. Quando o vejo começar a falar, ouço a minha voz e as palavras que iriam sair da minha boca naquele momento. 
Uma conexão sem igual se estabeleceu. Percebi que, querendo ou não, estávamos destinados a tropeçar um no outro. Somos a mesma pessoa em corpos diferentes. A mesma alma dividida em duas partes. Somos horcruxes um do outro.
Encontrei alguém pra sentar no banco de passageiro da minha nave espacial, fomos à Tókio através das linhas de telefone. Choramos e rimos. Gritamos e sussurramos. Explodimos em risadas e enterramos segredos. Voamos em dragões e fizemos feitiços nas nuvens. Corremos por cima da água e chacoalhamos os cabelos pra fora da janela do carro. Sempre estamos bem longe mesmo estando no mesmo lugar. Viajamos pra todas as dimensões sem sair da nossa. Seguro em sua mão e vou, sem medo de cair.

sábado, 7 de junho de 2014

As Desventuras de Pedro: Na Ousadia


Episódio 3

Deveras desapontado com a perda de um ente tão querido, Pedro saiu de casa atordoado e resolveu ir ao encontro da moça com quem estava saindo. Foi buscá-la em casa e, vendo o rapaz naquele estado, ela pediu para guiar seu carro. (POW!) Antes mesmo de sair da vaga onde o carro estava estacionado ela bateu com o para-choque na calçada. Merda. Pior do que estava não podia ficar. Desesperada, a menina resolveu beijar-lhe os lábios para acalentar o coração partido pela perda de Buddy (in memorian) e, agora, como forma de pedir perdão pelo carro amassado. Passou para o banco do carona quando (CRASH!) ouviu-se o estalo: eram os óculos de Pedro se partindo. Ao mudar de lugar sem sair do carro, a moça pisou nos óculos e os quebrou. Pelo visto, tinha como piorar sim. O dia estava resumido em uma dose cavalar de azar.
Pra tentar levantar o astral, Pedro deixou a moça em casa e resolveu ir à uma festa com alguns conhecidos. Festas são alegres, cheias de pessoas alegres, o álcool te deixa alegre... Não tem como dar errado! Ideia brilhante.
Pedro finalmente chegou na festa, encontrou os amigos, bebeu umas... Tudo dando certo. Porém apesar de cultivar uma relação amistosa com as pessoas, um de seus amigos bebeu além da conta e se meteu em uma briga, chamou para si a atenção da festa. Pedro estava por perto à espreita, longe dele querer se envolver em conflitos, afinal de contas, pela primeira vez no dia a merda que acontecia não era diretamente relacionada a ele.
No auge da pancadaria, os seguranças correram para segurar o amigo de Pedro. O brigão começou a socar o ar, a fim de se defender. Soco para cima, soco para baixo, soco para a direita, soco para a esquerda, soco na diagonal, soco no olho de Pedro. Isso, no olho.
Os amigos do azarado foram convocados a ir para uma viatura, pois estavam causando alvoroço. Apesar de tentar se manter longe de problemas, estes não suportaram a distância e foram ao encontro do ilustríssimo Senhor Pedro. Foram todos para o carro de polícia. Por sorte (se é que é possível utilizar tal termo nesse momento), depois de um rolê na viatura, todos voltaram para a festa.
Cansado, de olho roxo, abatido e desmotivado, o objetivo de Pedro passou a ser uma volta pra casa tranquila em seu carro (sem parabrisas), entrar em seu quarto (sem o Buddy), deitar em sua cama e adormecer, na esperança de que tudo não passasse de um pesadelo.
No caminho para casa, passando por uma ruela escura, o rapaz foi encurralado por subversivos da lei. O ladrão colocou o revólver na janela do carro e tentou iniciar um assalto. Porém, a coragem subiu à garganta e Pedro acelerou o carro com todas as forças. O ladrão atirou, mas errou e não acertou o pneu.
Pedro, ainda em choque, continuou o seu trajeto. O magrelo estranho chegou em seu prédio às cinco da matina, não levou o pão para justificar o horário impróprio e fugir das perguntas de seu pai. Resolveu subir pelas escadas. Tudo estava escuro, mas mesmo assim arriscou. Subiu os degraus vagarosamente, até que tropeçou e caiu. Para evitar uma queda pior, seu reflexo o obrigou a colocar as mãos no chão. Apoiou todo o seu peso em cima de seu pulso problemático, além do impacto inesperado no mesmo. Ah, não! De olho roxo e pulso podre, Pedro subiu as escadas suplicando por socorro (ou por um pouco menos de azar).
Chegou em casa, seu pai, fulo da vida, olhou para o menino de cima abaixo e não entendeu porque diabos ele tinha chegado naquele estado.
O pai trocou o pijama pelos jeans e juntos eles foram para o hospital, a fim de cuidar do pulso (e, se possível, um banho de sal grosso cairia muito bem). Pedro ficou no hospital e, bem na porta, um buquê de trevos de quatro folhas foi colocado. Plantinhas de pimenta por todos os cantos do quarto e pés de coelho (não os do Buddy) foram pendurados na cabeceira da cama. Prevenção nunca é demais nesse caso. Tudo isso a fim de proteger os visitantes desse mau auspício, vai que a praga pega em alguém, não é mesmo?

FIM