Perdidos estávamos perambulando em círculos pela floresta que não conhecíamos. Mal conhecíamos a nós mesmos, que dirá conhecer uns aos outros... Que dirá conhecer a floresta. Não havia mapa, GPS ou guia, apenas uns ou outros passantes que diziam "faça isso", "faça aquilo". Seguíamos as instruções, mas pode contar que satisfeitos não estávamos. Eram tantos passantes com instruções iguais, que chegamos a pensar que eles tinham combinado exatamente o que dizer quando nos avistassem. Era estranho, normas sem sentido, sem criatividade e, o pior: sem solução para os nossos problemas.
Depois de rodar, rodar e rodar em busca de uma saída para aquela floresta sem fauna e flora, sem sinal de vida, sem canto dos passarinhos ou colorido das flores, eis que passou uma doblô vermelha pela nossa frente. Curiosos, ficamos observando o carro rodopiar a floresta. Atípico! Uma doblô na floresta? E nós pensando que a mata era fechada o suficiente pra não passar carro, enganados estávamos, certamente, pois a doblô dançava no meio das árvores. Desviava de uma aqui, uma ali, mas conseguia se fazer notar em meio àquela floresta sem vida.
O carro parou, a motorista (descobrimos naquele momento que se tratava de uma motorista) abriu a porta direita e percebemos que os passageiros desembarcaram da doblô vermelha. O mais engraçado de tudo é que eles não se pareciam com os passantes que vimos anteriormente, os passageiros da doblô eram diferentes, tagarelavam de maneira diferente, andavam mais confiantes e pareciam acreditar em si mesmos, totalmente o oposto dos passantes, os quais, sem exceção, demonstraram insegurança ao falar, como se estivessem seguindo um manual que não existia. Observamos toda a movimentação atentamente. Os passageiros, já desembarcados e cheios de bagagem disseram adeus à motorista e seguiram seus caminhos.
Não mais que de repente, a doblô acelerou e parou logo à nossa frente. A motorista baixou os vidros e exibiu cabelos encaracolados enormes, um nariz um tanto quanto avantajado e olhos verdes em contraste com a pele morena. Nos convidou a entrar, mais persuasiva não poderia ser. Nem todos do grupo entraram, alguns optaram por continuar a caminhada em círculos, mesmo diante de toda a confiança que a mulher dos cabelos cacheados demonstrou. Não entendi, mas eu não tinha dúvidas quanto à minha decisão: embarquei na doblô prontamente.
A motorista abriu a porta do passageiro e me convidou a entrar. Sentei ao lado dela, sem medo, pronta para fazer qualquer coisa que ela pedisse. Ela perguntou pra onde estávamos indo, respondemos que não sabíamos. Começamos a conversar e a mulher facilmente pôs em cheque muitas das nossas concepções de vida e aspirações para o futuro.
Ao longo da viagem com a estranha mulher, gradativamente ela se tornou parte do grupo. Seus olhos verdes nos passaram confiança e nos deram coragem para jogar nossas palavras onde quiséssemos. A mulher nos ensinou tantas coisas ao longo de três meses dentro da doblô, achamos palavras para falar de tudo, menos para conseguir agradecê-la proporcionalmente por tudo o que ela nos proporcionou. A mulher de cachos nos ensinou que nem sempre vamos conseguir exatamente o que queremos, mas que cada um pode ser uma fagulha do fogo que queimará a floresta sem vida. Se ninguém se comprometer a ser fagulha, nunca haverá fogo.
Ao chegar a hora de se despedir, não sabíamos por onde começar. Depois de tanto aprender com aquela atípica e incrível mulher, faltavam maneiras de dizer adeus. Faltava, na verdade, a vontade de dizer adeus e a coragem de cortar o laço diário que se formou. Ela amarrou os cabelos num coque enorme e disse que era preciso, era uma fase da vida, era necessário sair da doblô e correr mundo afora, seja na floresta ou não. Nós, tão novos, abraçamos a mulher e desembarcamos. Eu, que me senti tão próxima por tanto tempo, apenas sorri e esperei que o meu olhar, francamente, transparecesse tudo o que eu tinha pra falar.
Descemos da doblô (com muito mais bagagem do que quando entramos) e vimos a mulher convidar novos jovens a embarcar. Nós, quando embarcamos, tão perdidos quanto os que agora embarcam. Agora os galhos da floresta não mais nos incomodam e os passantes não mais nos enganam, aprendemos a lidar com a falta de vida da floresta e, na ausência de flores, nós colorimos as folhas, desenhamos nos troncos de árvore ou, na pior das hipóteses, fingimos que as flores estão lá. A mulher nos ensinou que, independente do quão sem vida seja a floresta, isto não pode ser o suficiente pra suprimir a nossa capacidade de criar e imaginar. Acenamos, esperando encontrá-la em breve. Ela fechou a porta com os novos passageiros e partiu, pronta pra ensinar-lhes mais da mágica que é viver num mundo cinza.
Dedico este texto à minha professora Erica Vilhena que, durante os meus três anos de Ensino Médio, conseguiu me ensinar muito mais do que literatura.
