Todo
dia, na hora do almoço, ele chega desfazendo o nó da gravata e desabotoando a
camisa social. Joga o terno na cadeira da escrivaninha, faz cara de cansado,
deita na cama e começa a assistir a um vídeo qualquer no Youtube. Todo dia, após o almoço, ele pede licença pra sair da
mesa, mesmo sabendo que ela vai dizer não e ele vai rir e sair mesmo assim.
Todo dia, mas todo santo dia, antes de sair de casa após o almoço, ele enrola e
pede mais dez minutinhos. Todo dia ele e ela discutem sobre quem vai dirigir, o
banco do passageiro é extremamente disputado. Todo dia ele implica com
coisinhas pequenas, só pra aborrecer de leve e soltar um risinho de satisfeito,
com o ar de missão cumprida. Todo dia ela pede docinho, mas não é todo dia que
ele dá, às vezes, num lampejo de consciência, ele diz: “amor, e a academia?”.
Todo dia, desde o dia em que resolveram fazer parte da vida um do outro, ele
prova que é possível viver em um elevador amoroso que só sobe, repetindo o
clichê de se apaixonar pela mesma pessoa todos os dias. Todo dia ele a faz
lembrar daquele rapaz que ela conheceu, magricelo e narigudo, mas com olhos
verdes cintilantes (já que todo dia, sem exceção, ele reclama da barriguinha
saliente, fruto de alguns abusos gastronômicos). Mesmo assim, todo dia eles
arranjam uma desculpinha esfarrapada pra não ir à academia. Todo dia ela
percebe que ele mudou de shampoo, porque o cabelo que antes cheirava a Pantene
passou a exalar Clear Men. Todo dia ela reflete o quanto eles cresceram
juntos, como passaram do sapatênis e do all star vermelho ao sapato social e ao
scarpin. Todo dia, por mais que seja um pleonasmo descarado e sem vergonha, ela
confirma a certeza de que ele é muito mais do que todos os protagonistas de
seus romances, escritos e guardados a sete chaves. Todo dia ela pensa em como
escrever sobre ele, mas normalmente empaca na hora de começar. Todo dia ela o
observa discretamente e sorri pra si mesma, agradecendo pelo amor calmo e
sereno que teve a sorte de encontrar. Todo dia ela escreve no caderninho da
gratidão “motivos para agradecer: ter encontrado você”.