Desde criança eu soube o que eu queria para a
minha vida: ensinar. Uso o verbo no infinitivo porque soube o que queria, mas
não sobre o que queria, portanto, não sabia como conjuga-lo. Cresci vendo meu
pai à frente de uma sala de aula ensinando (no gerúndio, porque é o que ele
sempre fez), corrigindo provas até tarde da noite, cumprimentando os alunos em
todos os lugares para onde íamos e, de longe, eu não tinha ideia de como esta
experiência é quando você está em pé à frente da sala e não sentado na
carteira.
Certa vez, fui convidada por uma professora
para ser monitora de Física na escola e foi aí, neste ponto, em que eu comecei
a, cada vez mais, sentir gosto por estar, ainda que temporariamente, onde sempre vi meu pai.
Quando entrei na faculdade de Direito tive a
certeza de que queria ser monitora, mas foi difícil descobrir de quê. Eu
gostava das matérias, mas não o suficiente para mergulhar na monitoria como eu
gostaria de fazer: de corpo e alma, do fundo do coração, 100%. Até que chegou o
quarto semestre e tudo se tornou muito simples: é claro, eu queria ser monitora
de Processo Civil.
Precisei esperar até o sétimo semestre para
tentar a monitoria e foi a espera que mais valeu a pena ao longo de toda a
graduação. Quanto mais o tempo passava, mais vontade eu sentia de tentar. Quanto
mais eu aprendia, mais eu queria aprender. Quanto mais eu via colegas com
dificuldade, mais eu pensava: é, eu posso ajudar. Ao longo da ânsia pela prova
da monitoria, o que acalmava os ânimos eram as revisões pré-prova, organizar
meu caderno, pensar em como eu poderia fazer aquilo da melhor maneira que eu
pudesse fazer.
O sétimo chegou. Fiz a prova. Passei. Ao
longo do ano, vivi a experiência mais linda da minha graduação. Mergulhei por
inteiro, doei tudo o que eu pude. Senti à flor da pele (ainda que somente como
monitora) o duro caminhar de quem escolheu ensinar. Acompanhei, de pertinho,
todo o processo pelo qual os professores passam ao longo do ano. É difícil,
corrido, puxado... É. Mas é o que eu quero pra mim.
Ao longo do curso de Direito não há
disciplina que nos ensine a ser professor, que diga o que deve ser feito, como
deve ser feito, como é a melhor maneira de lidar, de falar, mas, talvez o mais
importante: de ensinar. A tendência é que, inconscientemente, imitemos os
professores com os quais nos identificamos. Muito possivelmente repetiremos o
que achamos bom, ainda que não tenhamos consciência de que estamos fazendo
exatamente isso.
As aulas hipnotizantes do meu professor de
Processo Civil da graduação, a organização e competência exemplares do meu
professor orientador da monitoria em Processo Civil, a memória digna de HD
externo do professor de Filosofia, a atenção e disponibilidade do professor de
Direitos Humanos, a proximidade com a turma do professor de Direito Penal...
são tantas características específicas que torna-se inenarrável elencar todas,
assim como impossível recordar cada uma delas neste momento mas que, com
certeza, elas emergem em nós, discentes, quando menos esperamos. O que notei
que há em comum em todos eles: o amor pelo que faz, o qual se manifesta de
maneiras diferentes em cada personalidade.
Certa vez, uma amiga disse que a monitoria é
o ensaio para a docência. E é. Justamente por não aprendermos o que é e como é
ser professor durante a graduação, poder andar ao lado de um mestre e
absorver o máximo possível de toda a experiência que ele pôde repassar ao longo
de um ano é uma experiência deveras especial. Todas as dicas, ensinamentos,
tarefas e correções de quem já está onde eu espero estar daqui a alguns anos
foram fundamentais.
Conheci muitas pessoas. Pessoas diferentes,
com histórias e sonhos diferentes. Uma pluralidade de pessoas singulares que
enriqueceram cada passo que eu dei, cada aula que acompanhei, cada conversa de
corredor, cada dúvida no meio da madrugada, cada aula sábado de manhã.
Porque eu senti que precisava aprender cada
vez mais para ajudar aquelas pessoas que esperavam que eu soubesse responder os
seus questionamentos. Porque senti o sabor da gratidão em saber responder e,
quando não soube, em procurar a resposta. Porque eu doei tudo o que pude, mergulhei
de cabeça num universo que ainda era desconhecido, fiz o melhor que poderia ter
feito e sinto que cumpri meu dever. Porque me despedir está sendo mais difícil
do que pensei e, mesmo hoje sendo o último dia, já estou nostálgica. Porque sou
grata por absolutamente tudo o que essa experiência me proporcionou. Porque eu
percebi que sequer comecei a engatinhar nesta caminhada que há de ser longa,
porém, também será gratificante. Esses são alguns dos inúmeros porquês que
justificam o fato de a monitoria ser a experiência profissional mais linda da
minha vida, porque (mais um), agora, tenho a certeza de que nasci para fazer
exatamente isso.
