sexta-feira, 24 de maio de 2019

Nada além de mim: o reencontro



Há quase um ano, escrevi meu último texto. Desde então, não tive coragem de enfrentar as palavras que flutuam dentro de mim, tampouco coragem para postar um texto novo por aqui. Hoje senti um cutucão incessante para mergulhar novamente nas palavras que digito fora da Academia e lembrar do meu eu jovem que sempre se encontrou dentro de si. E cá estou, frente a frente com o computador, em courier new (em sinal de desapego às normas da ABNT), sozinha, às 4:17 da madrugada. Isto diz muito sobre as palavras que virão a seguir.
Desde o momento em que fui alfabetizada, enfrentei meus pensamentos, sonhos, inquietações e objetivos por meio das palavras que eu mesma escrevi, li e reli. Desde a maior perda que vivi, perdi também a habilidade de me encontrar – e, com isso, o jeito com as palavras. Texto algum jamais será capaz de transmitir o que sinto como aquele último, mas a verdade é que a prosa e a poesia sempre aqui estiveram, ainda que tímidas, aguardando o momento em que eu estivesse pronta pra me encontrar de novo.
Acontece que jamais reencontrarei aquela jovem sonhadora que vivia sob as asas do maior e fiel leitor deste santuário de palavras que construí em minha adolescência (o blog fez 9 anos neste mês de maio). Não viver sob as asas significa, também, que tenho tentado dar meus primeiros voos e, há uns quatro anos, ele comentou por aqui que “espera que eu pilote melhor do que ele, e do que sequer conseguiu sonhar”. Embora não possa ser amparada em meus voos mal dados, tenho tentado – e me esforçado para – planar todas as vezes que me jogo de um ou outro galho.
Acho difícil, quiçá impossível, sentir de novo a vida como aquela jovem, mas, certamente, ela foi determinante para as breves palavras que hoje vos escrevo – por isso, o reencontro. Porque hoje, ciente de que não dormirei, tenho a breve intuição de que, apesar de tudo, sou a mulher de vinte e poucos anos que eu gostaria de ser. Este punhado de pensamentos é sobre saudade (do que fui e de com quem fui), mas, também, sobre sonhos – estes que nos impulsionam para fora de nossos ninhos e permitem que continuemos nesta vida.
A visão romântica do sonho está fadada ao fracasso a partir do momento em que se perde no mundo da fantasia, porque a vida não é isso. A vida é o sol nascendo e se pondo todos os dias rapidamente, e este curto lapso de tempo deve ser o necessário para concretizar todos os pensamentos que circulam em nossas cabeças (nem sempre é, e isto é cada vez mais verdade). Sonhar é muito mais do que os discursos eloquentes dos contos de fadas: é arregaçar as mangas para chegar cada dia mais perto do “eu” que quero ser. Os baques que a vida nos dá fazem com que a enxerguemos com mais honestidade e abandonemos paulatinamente os clichês do surreal.
Sonhar exige combate. Combate contra nossos medos e contra as probabilidades da vida real; contra a desesperança e contra os nossos fracassos; contra o sono e o tempo. Sonhar exige uma caixa de ferramentas inteiras para lidar com o fato de que somos nós os responsáveis por montar as nossas próprias vidas (e esta é uma verdade difícil de encarar, pois ninguém poderá fazê-lo por nós). Sonhar exige a coragem de cogitar além do que esperamos de nós mesmos e, mais do que isso, a ousadia de enfrentar nossas próprias limitações em prol de quem queremos ser. Sonhar exige que encaremos nossos reflexos no espelho e respeitemos quem somos e como chegamos até aqui, mas também exige a responsabilidade de buscar diariamente saber quem queremos ser, colocando um pouco de si em cada vírgula do que fazemos.
Nada sei sobre a vida, mas busco aprender. Em meio a tropeços e terrenos escorregadios, procuro encontrar meu caminho. Sonhando, mas ciente de que é necessário manter os olhos abertos, atentos e os pés no chão, porque a vida é uma  constante surpresa.
Em um solilóquio de recomeço, nada mais justo do que também ceder a oportunidade a este reencontro, porque sou construção e o que fui ontem faz parte de quem sou hoje. Recomeço, reinicio, reconheço a necessidade de não andar de ré. Como somos produto de tudo o que fomos, deixo, por fim, os versos do meu poema favorito, na esperança de transmitir a mensagem de que só conseguiremos ir em busca de nossos sonhos se encararmos quem realmente somos:

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."
(Ricardo Reis)