Presos em um vácuo de
incertezas entre a tragédia e a dor. O agudo dos gritos de horror substituído
pelo desesperador silêncio do medo. As ruas, ainda não tão vazias quanto
deveriam, transparecem que o fundo do poço é muito mais profundo do que a
escuridão em que estamos. As estrelas se apagam, enquanto as luzes continuam
acesas em cada janela. O céu só pode ser visto pelas molduras da janela e do quintal. Os
passarinhos são mais livres do que nós, engaiolados em casa ou presos à
submissão de precisar sair todos os dias, refletindo o privilégio que é poder
se aprisionar voluntariamente. No caminho entre o carnaval e o natal, caímos no
abismo, abismo este já vivido onde não tem carnaval. Meus olhos inebriados de
lágrimas, como todas as cabeças nebulosas de dúvidas. Aflição, medo, cansaço...
É como reviver a morte todos os dias, sem que ela tenha acontecido de perto,
com o medo incontrolável de um “ainda” no meio da frase anterior. Submersos em
ignorância, em uma pandemia que descortinou desigualdades que antes tentavam
passar despercebidas à alienação (quase) coletiva de que tudo estava bem. O
tempo não para, aos domingos eles berram nas capitais, pintados de verde e
amarelo, apossando-se indevidamente dos símbolos nacionais. A vida não tem vez diante da insensatez. O amor que sufoca o peito pelo medo de perder e perder de
novo. O amor de quem já perdeu e não quer perder novamente. O receio de se
perder dentro da própria cabeça e da própria casa. Tentamos nos agarrar à
esperança do louro trazido pela pomba branca, mas a tempestade fora da arca não
para e não sabemos quanto tempo irá durar. A pomba pode voar, nós não, e a arca
está naufragando. Há inúmeros parênteses no meio dessa história, escritos pelos
pares de olhos que leem esse amontoado de palavras, também pelos olhos que
choram e pelos que nunca lerão, porque fecharam. As coisas não vão ficar bem, pois
não há amanhã sem hoje, e as feridas de hoje são incuráveis. Quando será o fim?
Não sei. Como eu disse: estamos presos em um vácuo de incertezas entre a
tragédia e a dor. O futuro próximo só pode ser ruim, seja como for.
05/05/2020.
Há aproximadamente 50 dias começou a quarentena no Brasil (para alguns).
Hoje somamos quase 7.500 mortes por Covid-19.
O intuito deste texto não é transmitir otimismo.
