terça-feira, 5 de maio de 2020

Pandemônio



Presos em um vácuo de incertezas entre a tragédia e a dor. O agudo dos gritos de horror substituído pelo desesperador silêncio do medo. As ruas, ainda não tão vazias quanto deveriam, transparecem que o fundo do poço é muito mais profundo do que a escuridão em que estamos. As estrelas se apagam, enquanto as luzes continuam acesas em cada janela. O céu só pode ser visto pelas molduras da janela e do quintal. Os passarinhos são mais livres do que nós, engaiolados em casa ou presos à submissão de precisar sair todos os dias, refletindo o privilégio que é poder se aprisionar voluntariamente. No caminho entre o carnaval e o natal, caímos no abismo, abismo este já vivido onde não tem carnaval. Meus olhos inebriados de lágrimas, como todas as cabeças nebulosas de dúvidas. Aflição, medo, cansaço... É como reviver a morte todos os dias, sem que ela tenha acontecido de perto, com o medo incontrolável de um “ainda” no meio da frase anterior. Submersos em ignorância, em uma pandemia que descortinou desigualdades que antes tentavam passar despercebidas à alienação (quase) coletiva de que tudo estava bem. O tempo não para, aos domingos eles berram nas capitais, pintados de verde e amarelo, apossando-se indevidamente dos símbolos nacionais. A vida não tem vez diante da insensatez. O amor que sufoca o peito pelo medo de perder e perder de novo. O amor de quem já perdeu e não quer perder novamente. O receio de se perder dentro da própria cabeça e da própria casa. Tentamos nos agarrar à esperança do louro trazido pela pomba branca, mas a tempestade fora da arca não para e não sabemos quanto tempo irá durar. A pomba pode voar, nós não, e a arca está naufragando. Há inúmeros parênteses no meio dessa história, escritos pelos pares de olhos que leem esse amontoado de palavras, também pelos olhos que choram e pelos que nunca lerão, porque fecharam. As coisas não vão ficar bem, pois não há amanhã sem hoje, e as feridas de hoje são incuráveis. Quando será o fim? Não sei. Como eu disse: estamos presos em um vácuo de incertezas entre a tragédia e a dor. O futuro próximo só pode ser ruim, seja como for.


05/05/2020.
Há aproximadamente 50 dias começou a quarentena no Brasil (para alguns).
Hoje somamos quase 7.500 mortes por Covid-19.
O intuito deste texto não é transmitir otimismo.