terça-feira, 8 de junho de 2021

Espasmo


A noite corria como todas as outras: sono parcelado e curto, leve e inconstante. Deitei na cama e, de cansaço, acabei adormecendo – mesmo que planejasse virar mais uma noite, como há muito tenho feito. No início, não por querer, mas por necessidade. Agora, transitando entre a necessidade e a incapacidade de adormecer: “with insomnia, nothing’s real. Everything’s far away. Everything’s a copy of a copy of a copy”, disse em 1999 a voz de Edward Norton.
Depois de passar o dia pensando em como queria que estivesse por aqui, para conversarmos, irmos aos meus novos lugares favoritos, tocar Alceu com o seu violão e a minha gaita, ouvir seus conselhos ou mesmo ficar em silêncio. Não pude deixar de me embalar ao som de Pink Floyd. How I wish, how I wish you were here... Porque, ano após ano, não consigo me acostumar com a sua ausência. Sintonizo a rádio esperando ouvir seu violão dedilhar a introdução dessa melodia (ou a de Caetano, que você costumava cantar para os caracóis dos meus cabelos). Meus ouvidos ainda lembram como é a sua voz e eu daria tudo o que tenho para ver mais uma vez seu dar de ombros dizendo que “é a vida”. Nós tínhamos os mesmos cacoetes, agora me sinto só com meus tiques e meu nervoso.
Everything’s a copy of a copy of a copy... Mais uma noite cheia de planos que não conseguiria cumprir, pois tenho tendência de ser megalomaníaca e fadada ao fracasso das horas. Deitei a cabeça no travesseiro para descansar os olhos e adormeci sem querer (e sem poder, dessa vez). Inesperadamente, meu subconsciente começou a sonhar – gostaria de não lembrar, mas parece que vim ao mundo para ser contrariada.
Foi tudo tão rápido, assim como naquele dia. Nós estávamos juntos e, de repente, entrei sozinha em um quarto, onde estava minha mãe e nossa família. Ela disse em tom fúnebre: seu pai morreu. Imediatamente, o quarto do sonho ficou todo preto e esfumaçado. Acordei gritando, maldito pesadelo. O desespero trancou minha garganta e levantei. 
Antes que pudesse raciocinar, com o coração disparado e quase saindo pela boca, percebi que você morreu mesmo: há pouco mais de dois anos e meio meu pesadelo é real. Revisito esse sonho sem querer, nas raras horas em que consigo adormecer. Ainda lembro da máquina em minha frente apontando a bradicardia no nosso último adeus. Com taquicardia, não supero que seu coração parou. Essa contração involuntária dói até o meu âmago, e sei que o espasmo nunca vai me deixar em paz. Eu tinha uma pessoa na vida e sei que nunca mais terei. Queria pedir sua opinião sobre essas palavras jogadas em pixels, mas também sei que nunca ouvirei. Odeio saber, mesmo que seja tão pouco diante de tudo o que você ainda tinha para me ensinar. The same old fears, wish you were here.


Ao meu pai, meu melhor amigo e fiel leitor,
que não lerá as palavras aqui escritas
(e todas as outras que hei de escrever).