quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Da série: Primeiro amor - 10


Episódio 10

O casal continuou extremamente feliz. Algumas briguinhas de vez em quando, mas nada de extraordinário. Maurício, com seu olhar cinzento, conquistou o mundo colorido de Sophia. Era notável a mudança em ambos. Maurício parou de se esconder atrás de toucas ou capuz, Sophia passou a ser mais quieta.
Sophi se afastou dos amigos por passar mais tempo com o namorado. Obviamente, todos sentiam falta dela, ela era a estrela do grupo, a líder. Sem ela éramos como uma república sem presidente, um tribunal sem juíz, uma escola sem professores... Convenhamos que a última comparação seria válida em dias de preguiça.
Eu e Marcos estávamos cada dia mais próximos. Nossa diversão era maquinar maneiras de separar o casal. Eu sentia falta da minha melhor amiga e ele queria ter uma chance, aquela velha história.
Entre planos arquitetados e aulas monótonas, fugíamos para a escada de incêndio, quadra coberta, ou qualquer outro lugar discreto e deserto. Ninguém poderia saber sobre nós, não queríamos gerar boatos, muito menos frustrar as chances de Marquito com Sophi. Estávamos apenas unindo o útil ao agradável.
Apesar de, cada dia mais, eu querer Marcos só pra mim, ajudava-o em seus planos para poder ter minha amiga de volta. Tê-la de volta significava estar longe de Marcos, não importava, eu não sabia mais de nada.
Foi então que eu e Marcos tivemos a brilhante ideia de cutucar o namoro na ferida. Com uma namorada tão bonita, Mauricio com certeza havia de sentir bastante ciúme se algum menino começasse a dar em cima dela explicitamente. Cansamos de bilhetinhos e admirador secreto, iríamos partir para algo mais real, só precisávamos de um cobaia. 

Continua...

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Jornada



Acorda, toma banho, escova os dentes, lava o rosto, tira o pijama, coloca o uniforme, separa os livros, arruma a mala, fecha o zíper, se lamenta por ter que ir pra escola, pega o leite, põe na xícara, mistura o Nescau, passa manteiga no pão, engole tudo, sai correndo, sai de casa, entra no elevador, sai do elevador, entra no carro, pega trânsito, chega na escola, desce do carro, fecha a porta do carro, respira fundo.
Anda até a porta, dá bom dia pro porteiro, anda até a classe, dá oi, dá bom dia, curte o mau humor matinal, lá vem as aulas, a professora passou lição pra amanhã, reclama, o professor passou lição pra semana que vem, reclama, dá risada, brinca, conversa, sai da sala, vai pro recreio, socializa, volta pra sala, mais aulas, mais reclamações, saco cheio, toca o sinal.
Entra no carro, volta pra casa, almoça, toma banho, estuda pra prova, faz lição, reclama, faz trabalho, cansa, desiste, fica no computador, dorme.
Acorda, se arruma, escola, copia a lição do colega, deixa os outros copiarem as outras lições, prova, sente medo, desencana, comentários pós-prova, lição pra amanhã, aula, Deise, risadas, amizades, antipatias, mau humor, bom humor, fotos, banana no estojo, chá na mala.
Repete, repete, repete, repete...
Terceiro ano, aulas, provas, tristezas, felicidades, Salete, integração, fraternidade, festa junina, formatura, zoações, amizade, risadas, mau humor, reclamações, risadas, mau humor, reclamações, maçaneta, relógios trocados, risadas, cansaço, saturação.
Último dia, choros, despedidas, perdões, fotos, reconciliações, abraços, zoações, dúvidas, gratidão, medo, medo, medo, insegurança, lágrimas, olhos inchados, zoação, risadas, toca o sinal... saudade. Acabou, e agora? 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Aborrescente ou aborrecida?



Demorou pra cair a ficha mas em algum momento foi preciso abrir os olhos e acordar pra vida. Tentei ser, por muito tempo, só pré-adolescente. Queria ter apenas a pré-puberdade,  pré-namoradinhos, pré-broncas, pré-espinhas e por aí vai. Quando se é pequeno é bom errar, pois quando há erro, é apenas o primeiro, aceitável, perdoável. 
Infelizmente, o fenótipo e a data do RG muitas vezes não permitem a permanência eterna na pré-fase-mais-confusa-da-vida. Tive que sair da pré-adolescência e me afundar na adolescência. Uma hora a gente abre a porta e tem que encarar os draminhas, conflitos, blá blá blá... Tudo muito cansativo. 
Quando eu pensei que estava me livrando das situações que a adolescência trouxe até mim, percebi que aquilo era o mais fácil de enfrentar, agora deparo-me com a fase pré-adulta. Não sou mais uma adolescente inconsequente, também não sou um adulto responsável. Não sou adolescente nem adulto, sou nada especificado. Nada... nada, nada. Essa palavra ecoa pela minha cabeça, sou nadica de nada. 
Tenho responsabilidades mas não sou dona do meu nariz, tenho deveres mas não possuo muitos direitos. Preciso estudar pra ser "alguém na vida", por acaso sou eu Ninguém? Não posso ser alguém pelo que sou simplesmente?
Percebi que, quanto mais os anos se passam, mais eu preciso me modelar ao padrão medíocre dessa sociedade asquerosa e hipócrita. Sinto-me uma massinha de modelar nas mãos de meus professores, pais, mídia e tudo o que há em volta.
O que mais me indigna é que a minha geração consegue reunir as pessoas com o cérebro mais oco da história, com raras exceções. Adolescentes que juram fazer algo de fora do comum mas nada fazem na realidade. Procuram se sobressair por ser diferentes quando, na verdade, todos são exatamente iguais. 
Não sei mais sou apta para fazer o que sempre fiz. Não tenho mais ciência de minhas capacidades. Sinto um vazio profundo que penetra cada vez mais, vazio este que me faz a seguinte pergunta: qual a sua função? Nenhuma, pra falar a verdade. Sou só, e apenas mais uma peça nesse joguinho sem graça que se chama sociedade.
Minha cabeça é labirinto e meus pensamentos não chegam nem perto de pistas para conseguir achar a saída. Estou cada vez mais afogada dentro de mim mesma. Sim, estou aborrecida. Aborrecida por ser aborrescente. Aborrecida por não ser nada além de pré-alguma-coisa, coisa esta que eu nem sei o que é.