terça-feira, 26 de novembro de 2013

Tic-tac


A verdade é que sou só saudade. Só saudade em cada pedacinho do meu coração, em cada canto da minha memória, em cada parte da minha história. Sou só saudade. Só saudade do que passou, do que ficou mas não é mais, do que será e deixará de ser. Só saudade de quem está longe, de quem estará longe e de quem foi embora pra sempre. Só saudade do que eu já fui, do que queria ser e do que penso que serei mas não seguirei em frente. Só saudade dos sonhos perdidos, esquecidos, banidos. Só saudade. Só saudade, em cada pedacinho. 
A vida passa depressa, tão depressa que nem percebemos. Vivemos tão ocupados reclamando do presente, que esquecemos que, daqui a dois minutos, sentiremos falta dele. Vivemos enclausurados em nossa jaula de lamentações, que nos passa despercebido o fato de que os que estão ao nosso redor irão embora, seja de trem, ou pra debaixo da terra.
O tempo corre, voa, desliza. Ele foge, foge de quem não quer que ele passe. Foge de quem não o vê passando. Foge de quem torce pra que ele passe logo. O tempo é a água que tentamos segurar com as mãos, o ar que prendemos dentro do pote e a onda que tentamos impedir que volte pro mar. 
Viver é acumular perdas e somar memórias, enterrar os que passam e criar novas histórias.Viver é o amor reprimido pela rotina, uma pílula de desespero em meio ao caos. Viver é acordar todos os dias reclamando, mas, nos seus últimos dias, pedir por mais dias para acordar. Viver é não querer ouvir a voz, mas, quando a voz se cala, ser capaz de tudo para ouvi-la outra vez. Viver é sentir o coração apertar de saudade e a angústia subir à garganta no ímpeto de tentar aproveitar ao máximo. Viver é o presente, pois o que foi não é mais. Viver é. 

sábado, 23 de novembro de 2013

Rabisco


Traço a linha dos olhos, não, ver o mundo desse ângulo não vai ser bom. Apago. Começo a delinear o formato da cabeça, mas, pensando bem, uma cabeça pequena pode limitar os pensamentos dela. Apago. Decido começar pela boca, mas percebo que é muito importante tomar cuidado em como vou desenhá-la, coisas importantes sairão de lá. Apago. Desenho as orelhas, muito, muito cuidado, ela pode ouvir alguém dizer para ela desacreditar de seus sonhos e achar que é verdade. Apago. 
Folha em branco, novamente. 
É difícil desenhar e saber que a sua perspectiva vai ser a essência de alguém (principalmente quando esse alguém é você mesmo). Difícil pensar que um errinho, por mais simples que seja, poderá levar o desenho à lata de lixo. Amassado, rasgado, triturado. Decido começar do zero, mais uma chance: lá vamos nós. Abuso da borracha. Começo a acreditar que é inexequível alcançar a plenitude desejada. 
Com o tempo, percebi que chegar à perfeição é uma fatuidade humana. A beleza se faz da hamartia, dos borrões e da lágrima seca. O belo não se constrói por si, precisa do feio para fazer-se ser. Sem o miasma, como sentir o aroma das flores? Ninguém é monolítico, a doçura de ser quem é está exatamente no irascível. O recrudescimento da beleza está na apoteose do rabisco. Belo é quando o lápis desliza e erra, mas depois risca por cima e consegue consertar, sem apagar a cicatriz. 
Tentativas frustradas de auto retratos psicológicos fizeram-me perceber que nunca conseguirei terminar um auto retrato sequer. Nunca chegarei à uma conclusão, pois todos estamos em constante metamorfose. Não importa quantos traços estejam errados no desenho, as pupilas continuarão sendo iridescentes. Cansei de apagar. Cansei de usar a borracha. Doravante, todos os riscos errôneos serão mantidos, para lembrar-me onde não devo mais riscar.