segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

3ª pessoa do singular


Esse moço entrou na minha vida e me ensina todos os dias um pouco mais sobre ele. Eu não preciso de muito esforço pra aprender, o conteúdo flui e eu simplesmente absorvo. Com o passar do tempo, aprendi os mínimos detalhes, as percepções mais singelas, aquilo que poderia passar despercebido e não passou. Ele é tão bom na arte de lecionar sobre si que eu fiz graduação, pós-graduação, e pretendo seguir para o mestrado e doutorado, aprendendo cada vez mais e mais sobre a pessoa que me fez enxergar o mundo de um jeito mais bonito.
Eu sei que quando ele ri de verdade ele fecha bem os olhinhos, fica cheio de pés-de-galinha e abre uma risada bonita e gostosa com um som bem característico. Eu sei que no sol os olhos dele ficam tão verdes e as pupilas tão pequenas, enquanto que na luz habitual as pupilas costumam ficar gigantescas e o verde assume um tom escuro.
 Eu sei que em dias de jogo do Flamengo o humor dele corre perigo, então é bom estar atenta ao resultado da partida. Também aprendi que ele tem um lado sombrio e chato no humor, principalmente logo depois de acordar. O ideal é ficar quieta enquanto ele resolve ser um verdadeiro chato, até que o humor volte ao normal (e ele nem vai notar que esteve chato todo aquele tempo, a menos que eu fale, mas, mesmo assim, vai negar).
Eu percebi que ele tem uma cicatriz no meio osso do nariz, tem uma mancha de catapora no braço, vários redemoinhos no cabelo (que sempre o fazem reclamar pela revolta da cabeleira), pequeninos sinais no ombro, pelos em formato de coração nas costas, uma cicatriz na bochecha direita e o meu detalhe favorito: a mancha vermelha na nuca.
Aprendi que não importa o quão preso o lençol de elástico esteja no colchão, ele vai dar um jeito de bagunçar. Notei que, por mais que ele não suporte ouvir música sertaneja, se ele estiver em um local público e o som for este, ele vai tamborilar discretamente com a ponta dos dedos.
Talvez um dos detalhes mais importantes da personalidade dele é que nunca, nunquinha, ele pode estar errado. Se, por algum acaso, houver a mera possibilidade de ele estar equivocado, ele vai tentar reverter a situação na maior cara de pau, sabendo que eu sei que ele sabe o quão errado está. Agora, se ele estiver certo, vai fazer questão de colocar uma placa em letras garrafais pra esfregar na cara de quem errado estava. Se ele tiver absoluta certeza de que estava certo, vai pesquisar no Google e provar pra outra pessoa. Não adianta, ele sempre tem que estar (ou tentar estar, ou fingir que está) certo sobre qualquer coisa.
Falando em Google, ele é fã declarado da empresa. Tudo, absolutamente tudo, ele vai tentar comprovar no Google. Ele defende o Android com unhas e dentes e, sempre que puder, vai falar mal do meu telefone iOS.
Com o tempo, percebi que ele é dono de um coração tão peculiar e inocente, que não percebe as malícias ao redor. Ele vive num planeta paralelo extraordinário (o que o faz assim ser também), e eu tive muita sorte por ter sido aceita como inquilina neste outro mundo.  Para ele, certos desvios tão comuns no mundo banal simplesmente não fazem sentido, de modo que são impraticáveis na realidade que ele escolheu viver.
Apesar de ter o coração mais puro que já conheci, tem também a personalidade mais implicante. Aprendi que ele faz questão de implicar com as pessoas com quem realmente se importa. Ele vai ser estúpido com os amigos, vai cutucar nos lugares em que ele sabe que eu vou ficar aborrecida, mas vamos reagir a isso sabendo que ele faz só de brincadeira.
Ele é especialmente bom em fazer balizas, melhor do que eu em cozinhar (deveras fã de queijo ralado e cebola), muito talentoso em tocar violão, domina a norma culta da língua. Ele digita no celular deslizando os dedos. Ele não sorri pra foto e, quando parece que isso aconteceu, na verdade, ele estava dando risada.
Ele é aquela palavra de baixo calão que começa com f.