Esse
moço entrou na minha vida e me ensina todos os dias um pouco mais sobre ele. Eu
não preciso de muito esforço pra aprender, o conteúdo flui e eu simplesmente
absorvo. Com o passar do tempo, aprendi os mínimos detalhes, as percepções mais
singelas, aquilo que poderia passar despercebido e não passou. Ele é tão bom na
arte de lecionar sobre si que eu fiz graduação, pós-graduação, e pretendo
seguir para o mestrado e doutorado, aprendendo cada vez mais e mais sobre a
pessoa que me fez enxergar o mundo de um jeito mais bonito.
Eu
sei que quando ele ri de verdade ele fecha bem os olhinhos, fica cheio de
pés-de-galinha e abre uma risada bonita e gostosa com um som bem
característico. Eu sei que no sol os olhos dele ficam tão verdes e as pupilas
tão pequenas, enquanto que na luz habitual as pupilas costumam ficar
gigantescas e o verde assume um tom escuro.
Eu sei que em dias de jogo do Flamengo o humor
dele corre perigo, então é bom estar atenta ao resultado da partida. Também
aprendi que ele tem um lado sombrio e chato no humor, principalmente logo
depois de acordar. O ideal é ficar quieta enquanto ele resolve ser um
verdadeiro chato, até que o humor volte ao normal (e ele nem vai notar que
esteve chato todo aquele tempo, a menos que eu fale, mas, mesmo assim, vai negar).
Eu
percebi que ele tem uma cicatriz no meio osso do nariz, tem uma mancha de
catapora no braço, vários redemoinhos no cabelo (que sempre o fazem reclamar
pela revolta da cabeleira), pequeninos sinais no ombro, pelos em formato de
coração nas costas, uma cicatriz na bochecha direita e o meu detalhe favorito:
a mancha vermelha na nuca.
Aprendi
que não importa o quão preso o lençol de elástico esteja no colchão, ele vai
dar um jeito de bagunçar. Notei que, por mais que ele não suporte ouvir música
sertaneja, se ele estiver em um local público e o som for este, ele vai
tamborilar discretamente com a ponta dos dedos.
Talvez
um dos detalhes mais importantes da personalidade dele é que nunca, nunquinha,
ele pode estar errado. Se, por algum acaso, houver a mera possibilidade de ele
estar equivocado, ele vai tentar reverter a situação na maior cara de pau,
sabendo que eu sei que ele sabe o quão errado está. Agora, se ele estiver
certo, vai fazer questão de colocar uma placa em letras garrafais pra esfregar
na cara de quem errado estava. Se ele tiver absoluta certeza de que estava
certo, vai pesquisar no Google e
provar pra outra pessoa. Não adianta, ele sempre tem que estar (ou tentar
estar, ou fingir que está) certo sobre qualquer coisa.
Falando
em Google, ele é fã declarado da
empresa. Tudo, absolutamente tudo, ele vai tentar comprovar no Google. Ele defende o Android com unhas
e dentes e, sempre que puder, vai falar mal do meu telefone iOS.
Com
o tempo, percebi que ele é dono de um coração tão peculiar e inocente, que não
percebe as malícias ao redor. Ele vive num planeta paralelo extraordinário (o
que o faz assim ser também), e eu tive muita sorte por ter sido aceita como
inquilina neste outro mundo. Para ele,
certos desvios tão comuns no mundo banal simplesmente não fazem sentido, de
modo que são impraticáveis na realidade que ele escolheu viver.
Apesar
de ter o coração mais puro que já conheci, tem também a personalidade mais
implicante. Aprendi que ele faz questão de implicar com as pessoas com quem realmente se importa. Ele vai ser estúpido com os amigos, vai cutucar nos
lugares em que ele sabe que eu vou ficar aborrecida, mas vamos reagir a isso
sabendo que ele faz só de brincadeira.
Ele
é especialmente bom em fazer balizas, melhor do que eu em cozinhar (deveras fã de queijo ralado e cebola), muito talentoso
em tocar violão, domina a norma culta da língua. Ele digita no celular
deslizando os dedos. Ele não sorri pra foto e, quando parece que isso
aconteceu, na verdade, ele estava dando risada.
Ele
é aquela palavra de baixo calão que começa com f.