Quase à beira do abismo, mirei o
horizonte, estreitei os olhos e tentei enxergar uma realidade diferente daquela
que me colocou na ponta do precipício. Realidade paralela jamais, mas, quem
sabe, perpendicular, onde o ponto de encontro indicasse, ao menos, um fundo de contentamento.
Dei dois pequenos passos para frente e senti o vento estapear meu rosto e o sol
poente dizer adeus lentamente. Talvez o último.
A grande celeuma não é simplesmente
o mundo concreto e real, mas a ausência de perspectiva e de retas transversais
que cruzem minha linha do tempo e formem pontos em que seja possível vislumbrar
coisas boas. A perda da esperança corrói lentamente o coração de alguém que tem
em sua essência o otimismo. É como colocar um copo sobre uma vela acesa: uma
hora ou outra, apaga. Dei mais um passo à frente.
Desenganada está a reviravolta,
apesar de respirar com ajuda de aparelhos. Resta saber se vale a pena a
eutanásia na altura do campeonato, novamente dependendo do filtro de um
otimismo insano e juvenil, talvez até inocente, que talvez seja fruto pura e
simplesmente da covardia que se recusa a enxergar a realidade clara. Dei mais
um pequeno passo.
Com os olhos semicerrados e
lacrimejando, olhei para baixo e apenas enxerguei a queda livre, o desespero
disfarçado de normalidade, o vômito pela angústia de demasiadas dúvidas, mas,
mais que isso: um riozinho (que daqui parece um filete) corre lá embaixo, talvez
com vida, peixes, correnteza. Um riozinho que, de onde olho, é discreto, mas
que de perto deve ser possível se banhar, lavar os pés, as mãos, a alma.
Não tenho como chegar até ele
agora, a descida é grande e estou sem forças. Contudo, dei vinte passos para
trás e sentei no chão, apreciando a vista, a noite recém nascida e as
possibilidades, porque o tempo corre como o rio e, com a correnteza, tudo
passa.
