segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Silhueta

Com o carro em movimento em linha reta, percorríamos um caminho de conversa em curvas sinuosas, que deixei virar um monólogo quando voluntariamente silenciei para ouvi-lo falar sobre as charmosas copas das árvores de Belém em 1932, um grande paradoxo com os descuidados que assolam a Belém da COP30. A visão turva causada pelas vezes em que acendemos o isqueiro criava um delineado em tons escuros ao redor dele que, tentando dividir a atenção entre a rua vazia e sua interlocutora, dirigia com uma mão enquanto gesticulava com a outra.

A silhueta marcava o cabelo liso partido ao meio (cujos grisalhos, imperceptíveis no escuro, não me passaram batido sob outras luzes), o maxilar com a barba recém-tirada e desenho do queixo bem marcado (bem sentido, se em contato com a minha pele) e o característico sorriso de canto – seguido de um dar de ombros sutil e um barulho de tic – ao final de frases inteligentes e bem concatenadas. Ainda calada, torcia para ouvir mais sobre aquelas indignações com as copas das árvores que acusam o contraste entre o que somos e tudo o que poderíamos ser, comparando o vídeo de uma Belém que não mais existe com a que jamais existirá (porque é injusto, até para uma cidade, morar nas expectativas de amor alheias).

É nessa lacuna que fica a realidade: da cidade e de nós mesmos. É nessa lacuna, também, que encontramos algumas nuances do personagem.

De uma Belém que, embora esquecida, é inegavelmente charmosa quando passamos pelo túnel de mangueiras da Avenida Nazaré, cujas gotas de chuva em formato de luzes de Natal nos conduzem ao Can e ao entrelace das nossas infâncias escolares naqueles arredores, inclusive com a reverência ao Sagrado (seja às crenças cristãs e populares, seja à culinária na esquina da Avenida).

Dos interlocutores que, embora narrem publicamente alguns centímetros de história na superfície, resolveram se despir dos estereótipos a eles designados, para mergulhar nas profundezas das mútuas incoerências. Na fluência da conversa vieram os influxos de pensamentos, inclusive sobre o que ainda não se sabe, com a tranquilidade de poder desnudar nossas ideias sem medo, sob a sobriedade de uma água de coco na praça à noite após um dia de trabalho, ou naqueles momentos em que o vento se arrasta sorrateiro e perigoso arrepiando os pêlos dos braços.

Poderia passar horas a fio escutando os bonitos subtons de cor que estão sendo apresentados a mim, cujas diferenças, quando postas na mesma paleta, formam um curioso e impressionante pout pourri de personalidade. Desde o Raio-Que-O-Parta e do sushi feito de peixe amazônida, até as potencialidades do empresariado regional, tudo dito e argumentado com uma voz rouca irresistível e educada, dando a ênfase de quem verdadeiramente acredita que as copas das nossas árvores poderiam ser mais bonitas. Histórias contadas por olhos que já viram consideravelmente o mundo, mas que, por ou apesar disso, não deixam de ver Belém.

São esses olhos castanhos que quero fitar em silêncio, ouvindo o que eles têm a dizer durante o tempo que ainda tenho por aqui, admirando as linhas que dançam pela silhueta enquanto o carro está em movimento e a boca sente mais sede que o habitual, torcendo para que a noite tenha mais horas do que as que o relógio pode contar, até que a vida seja gentil e nos oportunize o próximo quando.