Com o carro em movimento em linha
reta, percorríamos um caminho de conversa em curvas sinuosas, que deixei virar
um monólogo quando voluntariamente silenciei para ouvi-lo falar sobre as
charmosas copas das árvores de Belém em 1932, um grande paradoxo com os
descuidados que assolam a Belém da COP30. A visão turva causada pelas vezes em
que acendemos o isqueiro criava um delineado em tons escuros ao redor dele que,
tentando dividir a atenção entre a rua vazia e sua interlocutora, dirigia com
uma mão enquanto gesticulava com a outra.
A silhueta marcava o cabelo liso
partido ao meio (cujos grisalhos, imperceptíveis no escuro, não me passaram
batido sob outras luzes), o maxilar com a barba recém-tirada e desenho do
queixo bem marcado (bem sentido, se em contato com a minha pele) e o
característico sorriso de canto – seguido de um dar de ombros sutil e um
barulho de tic – ao final de frases inteligentes e bem concatenadas. Ainda
calada, torcia para ouvir mais sobre aquelas indignações com as copas das
árvores que acusam o contraste entre o que somos e tudo o que poderíamos ser,
comparando o vídeo de uma Belém que não mais existe com a que jamais existirá
(porque é injusto, até para uma cidade, morar nas expectativas de amor alheias).
É nessa lacuna que fica a realidade:
da cidade e de nós mesmos. É nessa lacuna, também, que encontramos algumas
nuances do personagem.
De uma Belém que, embora esquecida,
é inegavelmente charmosa quando passamos pelo túnel de mangueiras da Avenida
Nazaré, cujas gotas de chuva em formato de luzes de Natal nos conduzem ao Can e
ao entrelace das nossas infâncias escolares naqueles arredores, inclusive com a
reverência ao Sagrado (seja às crenças cristãs e populares, seja à culinária na
esquina da Avenida).
Dos interlocutores que, embora
narrem publicamente alguns centímetros de história na superfície, resolveram se
despir dos estereótipos a eles designados, para mergulhar nas profundezas das
mútuas incoerências. Na fluência da conversa vieram os influxos de pensamentos,
inclusive sobre o que ainda não se sabe, com a tranquilidade de poder desnudar nossas
ideias sem medo, sob a sobriedade de uma água de coco na praça à noite após um
dia de trabalho, ou naqueles momentos em que o vento se arrasta sorrateiro e perigoso
arrepiando os pêlos dos braços.
Poderia passar horas a fio escutando
os bonitos subtons de cor que estão sendo apresentados a mim, cujas diferenças,
quando postas na mesma paleta, formam um curioso e impressionante pout pourri
de personalidade. Desde o Raio-Que-O-Parta e do sushi feito de peixe amazônida,
até as potencialidades do empresariado regional, tudo dito e argumentado com uma
voz rouca irresistível e educada, dando a ênfase de quem verdadeiramente
acredita que as copas das nossas árvores poderiam ser mais bonitas. Histórias
contadas por olhos que já viram consideravelmente o mundo, mas que, por ou
apesar disso, não deixam de ver Belém.
São esses olhos castanhos que quero
fitar em silêncio, ouvindo o que eles têm a dizer durante o tempo que ainda
tenho por aqui, admirando as linhas que dançam pela silhueta enquanto o carro
está em movimento e a boca sente mais sede que o habitual, torcendo para que a
noite tenha mais horas do que as que o relógio pode contar, até que a vida seja
gentil e nos oportunize o próximo quando.