Outro
dia, conversava com uma amiga sobre a possibilidade de pular de paraquedas e,
numa noite qualquer em casa, me flagrei pesquisando a logística e o orçamento
necessários pra irmos até Boituva encarar a aventura. A busca por dopamina
daquelas que viram ótimas histórias pra contar, seja pela sensação
indescritível de cair no invisível e ter como amortecer o pouso admirando a
vista depois de acionar a frenagem da descida, seja pelo trauma por talvez ter
ultrapassado o próprio limite nas experiências radicais.
Em
mais uma das minhas infinitas reflexões sobre amor, enquanto simultaneamente sou
espectadora de histórias improváveis que acabam sendo bem-sucedidas e de ser o
ombro amigo após tristes fins de romances que faliram, concluí o óbvio: se
entregar à resistência do ar é correr riscos, o que pode terminar muito bem ou
terrivelmente mal. O fato é que a escolha de pular de paraquedas é,
sobretudo, optar corajosamente por encarar as infinitas possibilidades do amor
e do horizonte.
No
avião, a aproximadamente dez mil pés do chão, com a mochila nas costas, dei
cinco passos pra trás e me sentei no banco, a garganta trancada de medo pelo
risco que assumi quando pulei da última vez. Ao mesmo tempo, um sussurro no
ouvido me dizia que talvez valesse a pena tentar de novo. Estava completamente
fechada para balanço, mas tenho essa mania crônica de ouvir o que meu coração
tem a dizer, a despeito da racionalidade que necessariamente imprimo em minhas
escolhas (apesar de não parecer, porque quem olha pro céu e me vê descendo a
200 km/h pensa que simplesmente fechei os olhos e pulei).
É
preciso encarar as próprias vulnerabilidades antes de reconhecer a nossa
coragem de enfrentá-las, porque às vezes o adequado para o momento é
simplesmente tirar a mochila das costas e esperar o avião pousar em segurança.
Não precisamos estar sempre prontos para pular. Recuperar o fôlego e se
recompor da última aventura também faz parte do salto, mesmo que ele não
ocorra.
Ainda
ali, sentada processando minhas reflexões, um rosto há muito conhecido sentou
ao meu lado, também com a mochila nas costas e mais uma série de receios que
resolveu compartilhar comigo. De cabelos lisos, suaves e partidos ao meio,
segurava o capacete com as mãos e seus olhos castanhos fitavam profundamente os
meus, como um convite para nos darmos essa nova chance e pularmos juntos.
Antes
mesmo de saltar, olhar pra ele já me fazia sentir frio na barriga e sorrir com
os olhos, enquanto ecoava Bethânia no meu subconsciente cantarolando prudência,
porque quem já se feriu presta mais atenção. Ele largou o capacete no
banco ao lado e abraçou minha cintura, passando a calma necessária para darmos
novos e conscientes passos em direção à porta aberta do avião.
Pulamos.
Juntos.
Encarando
a aventura, mas sem o tropeço da inconsequência. Acionamos o dispositivo e o
paraquedas se abriu, permitindo-nos admirar a vista linda após o salto. Enquanto
a física cumpre o seu papel com a resistência do ar, a estética da natureza nos
permite compartilhar o momento único e o otimismo pela leve descida nos conduz
à tranquilidade de um pouso seguro, seguido de um longo abraço e de caminhos
que pretendem seguir lado a lado.
Em
um parêntese, de um outro dia qualquer presa em meus pensamentos, certa vez
refleti profundamente sobre o que é uma tautologia: uma proposição que é sempre
verdadeira, em absolutamente todas as variáveis. Se me permitem um clichê
tautológico, abrir o coração para um novo amor é correr riscos, sem saber
exatamente como será o pouso, mas apostando no otimismo do abraço após o choque
de dopamina do salto.
Aqui embaixo, abraçada agarrando a cintura dos 1.84m que apoiam carinhosamente o maxilar no topo da minha cabeça, meu coração está acelerado pelo salto, mas surpreendente calmo pela escolha que fiz. Tiramos todos os apetrechos de segurança, fomos até o carro e rumamos na viagem de volta até São Paulo. Liguei o som e começou a tocar Summer ’68, do Pink Floyd, no Spotify, o suficiente para seguirmos em um silêncio confortável e íntimo, que confirma nossa acertada decisão de saltar.
