terça-feira, 29 de outubro de 2013

Camaleão


Ela era incompreendida. Ninguém entendia a sua necessidade fútil de ter o cabelo sempre pingando de tinta. Achavam inútil o seu metamorfosear. 
A verdade é que ela cansou de todos eles e, principalmente, de si mesma. Enjoou dos seus solilóquios discursos mentais, de suas teorias sem valor, de suas palavras inebriadas de rancor, de sua eterna dúvida entre ser nada ou coisa nenhuma. 
Quando o navio estava prestes a naufragar, ela mudava a cor de cabelo como nova distração, até enjoar de novo. A monotonia a enlouquecia. Passou a odiar os cabelos meio-a-meio, os coloridos como o arco-íris, os homogêneos... Qualquer um. Odiava todos eles, inclusive os dela. 
Buscava sempre o diferente, mesmo sendo tão igual aos outros. Buscava investigar, mesmo tendo que engolir o que era imposto a ela. Queria sempre inovar, mesmo não saindo nunca do maldito sofá de casa. 
Ela era tão insuportavelmente instável e comum, que mudava sempre de cabelo. Era tão confusa e previsível, que mudava sempre de cabelo. Tão entediada de si mesma, que mudava sempre de cabelo. Tão sonhadora e conformada, que mudava sempre de cabelo. Tão ridiculamente irascível, que mudava sempre de cabelo. Tão abjetamente recôndita, que mudava sempre de cabelo. Tão obsoleta em seu cacofonismo interno, que mudava sempre de cabelo. Tão solitariamente esquipática, que mudava sempre de cabelo. Tão, tão, tão... que mudava sempre de cabelo.
A verdade é que ela não suportava a si mesma. Ela mudava de cabelo pra se livrar de si, na esperança frustrante de que, mudando o cabelo, mudaria todo o resto. Mudava o cabelo pra disfarçar seu caos interior, até que, um belo dia, raspou os cabelos e explodiu.
Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Letícia Satie disse...

Só espero que vc não raspe o cabelo e exploda pq eu quero continuar lendo "Da série: Primeiro amor"!!!!!!!!!!!!! Kkkkkk