domingo, 31 de maio de 2015

Pluriel


Eu tenho tantos sonhos que nem sei qual deles seguir, não faço ideia de quantos deles são viáveis e de quais vou conseguir realizar. Se eu sentar e te contar cada pedacinho das minhas vontades, você vai me achar louca e rir da minha cara. E quer saber? Eu concordo com você. Eu também dou risada. Vez ou outra, até desacredito de mim mesma.
Se eu te pegar pelo braço e te levar pra conhecer cada cantinho da minha cabeça, você vai querer fugir na hora. Fazer turismo nas entranhas das minhas confusões é puro delírio e um convite à insanidade de um lugar que luta pra não ser comprimido pela realidade. Minhas olheiras são tão profundas quanto minhas inquietações.
Às vezes, aparece alguém com um martelo, pronto pra mudar a forma dos meus pensamentos. Outros vêm achando que minhas convicções são como argila e que podem modelar. Eu digo que é até uma verdade, estou sujeita à mutação, mas não pense que será tão fácil assim.
De vez em quando eu olho no espelho e penso: que fracasso. Troquei minhas certezas por dúvidas que cutucam e assanham a cabeça de quem sabe bem o que quer, mesmo sem saber. Entendo muito do que está fora de mim, mas quase nada do interior.
Digo que sei por onde seguir, mas sequer aprendi a caminhar. Finjo que sei exatamente o que falar, mas a verdade é que paira em mim a dúvida de qual é o melhor eu pra cada situação. Há tantas de mim aqui dentro que fica difícil escolher qual usar, é como escolher roupa antes de sair tendo um closet abarrotado.
A cada semana tenho que me redescobrir e lidar com novas perspectivas que minha cabeça, cheia de euforia, joga no meu peito esperando que eu dê conta do recado. Até que estou me saindo bem na tarefa, fora os surtos de choro no chuveiro ou os gritos abafados no travesseiro. Sou um plural um tanto singular.
Se eu te pegar pela mão e narrar cada uma de minhas convicções, você vai me achar maluca e me internar. Mas, quer saber? Maluca eu sou e internada estou dentro de mim mesma. Terapia de choque é escrever sobre mim e não saber exatamente o que dizer, exatamente por todos os motivos mencionados outrora: não sei quem sou. Quem sabe eu não seja real. Vai ver eu sou apenas uma personagem doida de livro, feita para os outros decifrarem: Capitu traiu ou não Bentinho?

domingo, 17 de maio de 2015

No escuro?


Melancólicos, eles não conseguem enxergar quem dança sem se importar se a luz está apagada ou acesa. Eles, assustados, sentados continuam com receio de encostar uns nos outros. São incapazes de admirar quem se diverte sozinho entrelaçando os pés e tropeçando vez ou outra. Quem prefere permanecer inerte a dançar é incapaz de conhecer o próprio corpo e descobrir que o limite vai além do que se vê.
Mesmo que as luzes se acendam, eles preferem continuar imóveis, pois música alguma escutam. Por não ouvirem sinfonia, acreditam que não há sentido em rodopiar ao som da melodia que o ouvido de cada um cria, conforme sua imaginação. Eles são incapazes de libertar um pouco os braços e movimentar um tanto as pernas e, infelizmente, julgam e condenam quem se liberta a ponto de fazê-lo.
Eles não são sensíveis para apreciar uma valsa sem som ou um tango no escuro. Por isto, continuam sempre colados no chão de pernas cruzadas, ouvidos tampados e olhos vendados, pois a luz sempre esteve acesa e a música nunca deixou de tocar, mas eles são incapazes de sentir, pela frieza de um coração mecânico. Os que dançam não se importam em tropeçar, pois sempre arrumarão um jeito de se pôr de pé e continuar a coreografia não ensaiada.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Microscópio


Passei a vida escutando sobre grandeza. Durante a infância, os professores da escola narravam as trajetórias dos grandes nomes da História, outros liam as poesias épicas dos grandes literários, outros tentavam colocar em nossas cabeças as fórmulas dos físicos e suas leis. Por muitos anos escutei os mesmos nomes, portanto, presumi que estes eram dignos da tão falada grandeza.
Ouvi nomes de pessoas influentes serem repetidos incansavelmente nos noticiários. Vivi pra ver homens e mulheres carregarem prêmios, discursarem em rede mundial, pisarem na lua e terem suas teorias sobre o cosmo aceitas e aplaudidas. Certamente, estes todos são considerados grandes.
Paralelamente a tão gigantescos nomes, passei a vida ouvindo que eu seria grande. Todos os familiares apostaram suas economias em mim e bateram no peito bradando que a grandeza me pertenceria. Meus amigos me ovacionavam e os bonecos do meu quarto me aplaudiam de pé quando eu treinava meus discursos no espelho.
Entretanto, decepcionei a todos: parentes, amigos, a mim e ao meu ego. Não sei até hoje o que é ser grande.
Pensei que ser grande fosse discursar na formatura do Ensino Médio, mas não me dei por satisfeito e achei muito pouco perto do que me aguardava. Depois, supus que a grandeza estaria em um diploma de graduação, infelizmente, estava enganado. Posteriormente, me enganei achando que a grandeza estaria em ser reconhecido em minha profissão, mas nem isso eu me satisfez.
Fui instruído a deixar de lado minha criatividade e trilhar o “caminho do sucesso”, o qual já levara muitos outros ao mesmo baú do tesouro no final do arco-íris. Segui o conselho. Fiz, não por querer, mas por supostamente ser o melhor para galgar rumo à grandeza. Porém, aos poucos, fui vomitando minha essência colorida e engoli o preto e branco. Desaprendi a fazer o que me diferenciava e passei a ser só mais um.
Sou apenas mais um robô formatado para apenas absorver e reproduzir atitudes ditadas por alguém que desconheço. Não fui capaz de promover meus pensamentos, publicar minhas descobertas, tampouco de transformar o mundo num lugar melhor.
Sou pequeno. A grandeza passou ao meu lado, mas eu não soube conquista-la. Sinto decepcionar a todos que um dia apostaram suas fichas, mas preciso revelar: eu sou só mais um, como tantos outros.
É difícil ser grande quando há tantas pessoas gigantes por aí, principalmente quando não fui grande o suficiente pra apostar no meu verdadeiro eu. Não tive força de vontade para perseguir meu talento. Não tive persistência para fazer a diferença. Eu sou apenas uma formiga (dentre milhares de milhões) tentando fazer um estoque pra enfrentar o inverno. Hoje, tomando meu café amargo e vestindo este terno surrado e meio amassado, o sapato arranhado e as meias sujas, o cabelo ameaçando alguns fios brancos, maior do que deveria e a barba por fazer, sozinho neste apartamento de três cômodos, penso: será que tem como recomeçar? E se eu tivesse seguido o meu caminho? A pior parte da minha pequenez é a solidão que me acompanha. Caso queira me enxergar, pegue o seu microscópio.