O amor é como sangue, escorre ardendo e deixando rastros. Quanto menos sangue, mais aberto é o vermelho. Do tomate ao bordô, contemplado por todos os esmaltes, mas nenhum deles consegue transmitir a beleza do vermelho descendo pela perna, em contraste com a minha pele alva e em sintonia com a minha dor. O joelho ardendo é um sinal de que estou viva, então paro pra contemplar esse minuto de dor, como as causadas pelo amor – e é por elas que escrevo. Pelo joelho doendo e pelo coração ardendo, e vice-versa. Pelas frases mal formuladas e pelos sussurros no pé do ouvido. Pelas vezes em que pedimos pra continuar e pelos momentos em que decidimos que era melhor parar. Pelas corridas e pelas caminhadas, metafóricas ou literais, sob a luz da lua ou sob o sol quente bucólico da ilha. Pelas madrugadas embaixo das folhas da praça, olhando um pro outro através da fumaça esparsa. O sangue escorre pelo joelho, meus dedos deslizam pelas palavras. Em ambas as situações, penso apenas no encarnado da dor e do amor.
Nenhum alquimista seria capaz de reproduzir a intensidade, beleza e sutileza do rubro que escorre e se mistura com as gotas de água do banho em andamento. Ele se desconcentra e vai ficando translúcido nas bordas do feixe que está sobre a pele, nem posso imaginar qual a nuance da cor que está sob ela. Queria mergulhar em vermelho de diversas formas, pois sou como um corpo em coma e pálido, com letras amarelas em uma imitação de veludo. Arde lembrar dos detalhes, assim como arde limpar esses cortes. Sou nada, mas nado na mais intensa cor, em busca de mascarar que, se dói, é porque se vive, mesmo fingindo essa overdose de morfina transmitida pela minha feição. Um paradoxo sentimental, resultado de escolhas feitas de forma consciente. Um adeus profundo em um abraço, iluminado pela lâmpada também vermelha, como a camisa fora da paleta de cores, que costuma seguir os tons terrosos.
Não posso nadar sob a pele pra descobrir todos os tons de vermelho, tampouco nadar na expectativa da história não escrita para desvendar qual seria o enredo completo. Por isso, flutuo nessa piscina encarnada, até o momento em que chegarei nas bordas e sairei dela. Se o amor é como o sangue, as histórias de amor também o são. Doem e ardem, até que se crie o cascão. Nem todas as histórias são livros, algumas são breves ensaios – e já são o bastante para alcançar o leitor. Por essas e outras, são mais do que se pode imaginar para a escritora. Agora, arde. Arderá durante um tempo. A ferida está aberta, ainda há resquícios do sangue que escorreu, mas há de nascer o cascão. Sem cuidar, sem limpar, só com o tempo. Depois do cascão, a cicatriz: para lembrar que bem ali aconteceu uma história. Com a lembrança, o sorriso da recordação. Voltemos ao banho, antes que acabe a água.
