Como
grande entusiasta dos amores espontâneos, tenho acompanhado de perto o
desenrolar de algumas histórias que, aos olhos comuns, seriam simplesmente imprudência.
Por ver o mundo pelas lentes do possível, meus conselhos costumam vir
acompanhados da torcida pela aposta no improvável, porque a vida só acontece à
flor da pele quando acompanhada de shots de coragem.
Às
vezes a gente dá mais sorte no amor que nos jogos de azar, embora nunca tenha
me ocorrido sem precisar lidar com o prejuízo e juntar os cacos depois. Carrego
uma certa bagagem de experiência de campo para dar às palavras o tom que elas
merecem, porque as paixões que me descontrolaram são as que fizeram eu ser
como sou... Mas após apostar muito
alto e perder de lavada, cheguei à conclusão de que meu papel deve ser escrever
sobre o amor, e não protagonizá-lo, porque quem já se feriu presta mais
atenção. Compartilhei essas conclusões pela primeira vez durante uma
conversa no bar tradicional que fica na esquina da Ipiranga com a São João,
para onde levei um encontro que precisava conhecer o charme do Brasil e uma boa
caipirinha.
Enquanto ríamos das histórias um do outro, vestindo nossas respectivas personas de primeiro date, ele perguntou como uma mulher como eu poderia continuar solteira. Dentre as múltiplas respostas possíveis, respondi que sou entusiasta dos amores espontâneos e inesperados, mas que não são pra mim. Escrevo sobre eles, dando toques de ficção às histórias que pessoas envolvidas pelos brilhos nos olhos e pelo tesão das primeiras vezes me contaram. Queria ter a coragem de viver a intensidade de Bethânia, que prega a prudência, mas se permite eclipsar da realidade depois de ter você. Como animal arisco domesticado esquece o risco, decidi covardemente não ser domesticada e me proteger entre as folhas de word, disposta a escrever sobre as intensas histórias alheias, mas jamais me entregar novamente à possibilidade de não dar pé.
Existe
um certo desconforto no vácuo do quase, e um medo avassalador de nunca mais
conseguir escrever com a mesma emoção das vezes em que fui arrebatada ao ponto
de enxergar e efetivamente compreender cada verso de olha. Daquele jeito
que o texto flui tanto quanto os beijos que deslizam entre a boca e o pescoço,
quando no durante; ou quando as palavras saem com tanta facilidade para o
teclado do computador quanto as lágrimas que escorrem pelas maçãs do rosto,
quando no depois.
Muito
embora escrever seja essencialmente treino e técnica, não é recomendado ao
cronista descolorir-se ao ponto do texto perder o carisma; Ou do amor perder a
esperança; Ou da prosa ficar insossa sem a idiotice do frio na
barriga. Escrever é ativar o modo deveras sobre a vida, sob pena de se limitar a transcrever de forma oca o alheio. Da língua à Língua, tudo o que já coloquei no papel passou pelas
nuances das mais absurdas utopias da mpb, que me fizeram acreditar naquela
sensação de finalmente ter encontrado ou fatalmente ter perdido, tudo isso transformado
em melodia pelas conhecidas vozes dos imortais que verbalizam a poesia
brasileira sob o som dos acordes de violões de nylon.
Enquanto
pensava sobre tudo isso, respondi à pergunta feita, mergulhada naqueles olhos
verdes enquadrados pelos óculos também verdes (minha cor favorita), e na esquina
mais musicada de Sampa: continuo solteira porque sou entusiasta dos
amores espontâneos, mas decidi apenas escrever sobre eles e não vivê-los.
Paradoxalmente,
lamentei porque era provável que não nos víssemos mais, já que muito em breve
ele embarcaria para Roma; analisei todos os detalhes do cenário e dos tons de
verde que ele usava e que se embaraçavam com a natureza; pensei em transformar em
texto a caipirinha na esquina da Ipiranga com a São João, a caminhada no fim de
tarde pelo Ibirapuera enquanto o dia quente dava espaço para o sereno do
entardecer, o beijo em frente ao lago do parque e ao som do nado dos cisnes
negros que faziam uma arruaça qualquer. Respondi à pergunta sabendo que escreveria
sobre todas aquelas memórias fotografadas com o olhar, porque transformar a
vida em prosa é inerente ao hábito de observar e, naquele dia, tive a sorte de
reunir bons detalhes (do derredor, do devir e da minha derradeira contradição).
