Com
a dor me deparo, antiga aliada dos remédios que controlam meus súbitos porquês e velha
conhecida. Sempre mais dura quando na frente da tela em branco com letras
profundamente minhas sendo escritas, embora nesses momentos fluam mais bonitas
e eternas, como são as palavras guardadas na intimidade e aquelas que evaporam
na lembrança.
Respiro
fundo e tudo está igual, apesar de cada todavia. Andando pela rua dia
desses, quase adotei um cachorrinho em uma feira, mas me contive para poder
pensar melhor; quase comprei um tênis superfaturado que namoro há mais de ano,
mas fiz as contas e decidi deixar pra depois; quase aceitei menos que mereço,
mas dei um passo atrás para seguir adiante. A cada quase que me aparece,
percebo que venho sendo cercada pela esperada maturidade dos quase trinta, que
nada tem a ver com covardia, mas sim com a coragem de me permitir escolher. Eu
poderia fazer todas essas coisas, simplesmente porque quero, posso e estão ao
meu alcance, mas desisti logo antes, pela velha máxima de que cada escolha
carrega uma bagagem de consequências (e minhas bagagens têm sido pesadas já faz
um tempo).
Olho
para a parede branca decorada com novos quadros e tudo está igual, num infeliz
paradoxo. Lá fora as crianças continuam soltando risadas agudas enquanto
brincam na chuva; as pessoas continuam correndo entre as baldeações do metrô;
eu continuo preocupada porque amanhã é segunda-feira e já encarei minha to
do list; a louça continua acumulada, enquanto tento dar um jeito no
restante da faxina da casa; os passarinhos continuam cantando, sufocados pela poluição
como se fossem fumantes incorrigíveis; várias reticências, que implicam na continuidade
infinita de tudo o que já é, sem nada a acrescentar, porque não existe infinito
mais um.
Todavia, tudo por aqui, embora igual, está bem diferente. Não adotei o cachorro, não comprei o tênis e não aceitei. Não há dúvidas de que esse processo terapêutico que todo mundo fala tem funcionado (mesmo aos trancos e barrancos) na minha cabeça bagunçada e que há muito perdeu o fio da meada. O lado bom de tudo isso é que, a cada novo arco do personagem, os espectadores acham que era um cliffhanger. Todavia, devo confessar que não é, apesar de ser um ótimo recurso narrativo.