No parque, à noite, resolveram
caminhar para tomar um vento no rosto e conversar sobre a vida depois de um dia
que poderia ter sido qualquer, mas não foi, pelas intercorrências costumeiras
da rotina cosmopolita próxima à baleia de metal. Entre as árvores e sob da lua,
durante desabafos, confidências e sinceras trocas de olhares, repartiram muito
mais que um sanduíche natural e uma garrafa de suco de laranja, para remediar
as longas horas sem comer e fugir da gastrite que persegue aqueles à beira dos
trinta que esquecem das refeições e abusam do café espresso sem açúcar.
Existe muito mais no cuidado do que
se pode confessar, e nos atos de serviço moram palavras de amor que ainda não
nasceram, mas parecem prestes a, embora sobrevivam ao segundo presente,
seguindo à risca o combinado de se aterem às recordações criadas e datadas. Às
risadas leves. Às noites não dormidas. Às manhãs recém iluminadas pelo sol. Às
tantas outras coisas quantas podem ser construídas enquanto a areia cai
suavemente pela ampulheta que o destino surpreendentemente preparou.
O vendedor ambulante passou sorrindo e cantando, oferecendo o brigadeiro
meio amargo que vendia para ajudar a família. Cantarolando uma música de letra
improvisada, acusou em voz alta o que estava nas entrelinhas de cada fala,
abraço e beijo: o jeito dos dois se perceberem, ali, é diferente. Atípico como
os anos bissextos. No balanço das árvores de uma noite quente, em frente ao
lago, existe inegável química na surpresa que dança ao som das palavras
musicadas e inventadas pelo homem desconhecido, que sensível e sutilmente notou
haver se deparado com uma possível raridade entre as tantas histórias de amor
que já ocuparam a tinta gasta pelos mais sonhadores poetas.
Acontece que o que se entrelaça à
melodia da canção inventada é a trilha sonora de La La Land, representada pela
infusão de cores primárias e pelo carinhoso adeus para se viver os próprios
sonhos, tão belos quanto todo e qualquer romance, inclusive aqueles que viram
prosas escritas de madrugada e inspiradas pelos flashbacks dos momentos já vividos. Who knows? I felt it from the first embrace I shared with you. Tão
intenso quanto a valsa no planetário é o olhar fixo sob a lua minguante,
seguido pelo sorriso desconsertado por ter se perdido no diálogo enquanto
observava algo qualquer nela em silêncio.
Durante um longo suspiro após cuspir
nos pixels as palavras que estavam entaladas, não há mais o que ser feito,
senão agradecer aos astros pelo alinhamento dos planetas que proporcionou o
(re)encontro, nesta ou em qualquer outra vida, para este ou qualquer outro
capítulo. Agradecer, especialmente, pela areia que já escorreu pelo funil e
pela preciosidade que ainda está na parte superior e que promete incríveis
desdobramentos ao futuro próximo que, apesar de transitório, há de ser
especial.
Especial nos silêncios confortáveis,
na partilha da vida, nos bons dias antes das reuniões corporativas, nos dentes
escovados simultaneamente em frente ao espelho do banheiro, nas mensagens
dessincronizadas, nas risadas bobas antes de dormir, na tranquilidade de
repousar a cabeça nos ombros um do outro acolhidos pela fusão do abraço, na
preocupação mútua e genuína, no café espresso com essência de coco pela manhã, na camisa discretamente
amarrotada e acompanhada pela tímida justificativa, na busca por experienciar e
conhecer os mundos um do outro, no compartilhamento de playlists
antigas disponíveis no ar retrô dos CDs, no cochilo durante o filme bom em
casa, no riso contido durante o filme ruim no cinema. Em tudo e em tanto, no
entanto, a despeito do escorrer da areia. Ou talvez justamente por ele. Ou
talvez simplesmente não se saiba, mas que tudo isso antecede algo, é quase
certo que sim, mirando em cheio naquelas específicas palavras que flertam com
memórias doces e especiais, independentemente do porvir, mas que ficam marcadas
justamente por aquilo que foi e é bom. A vida é efêmera, permanente é a
memória.
