No meio da madrugada, sentado à beira da
cama, agarrou minha cintura e disse bem baixinho e olhando nos meus olhos:
“Promete que volta?”
“Volto quando, doido?” – e ri.
“Sempre.”
“A gente vai se ver amanhã, e prometo que
volto amanhã.”
Na minha tentativa de ser honesta e dizer
que queria voltar, mas “sempre” era muito tempo para prometer (especialmente no
primeiro dia), escolhi as palavras certas para a profundidade do diálogo (que
me arrancou um sorriso suave de canto de boca após ele fechar a porta,
acompanhado dos cutucões dos anticorpos que tenho por já estar vacinada).
Vivo em hipérbole e assumi que sou desse
jeito. Por ser assim e por já ter escrito umas tantas histórias de amor falidas
(minhas e inventadas), consigo identificar quando as palavras são vãs quando
ditas por um homem solteiro – e normalmente não ligo quando o são, acho
satisfatória a sensação de, sabendo que a armadilha foi feita, desarmá-la e
depois desaparecer por mim mesma, levando comigo somente uma boa história que
eu mesma roteirizei e vou contar ao meu punhado de amigos em forma de
tragicomédia.
A gente cresce achando que tem que ser
escolhida e é deliciosa a epifania de descobrir que, na verdade, sou eu quem
escolhe (e, se der sorte, posso ser escolhida de volta). Essa descoberta me
permitiu continuar vivendo com a intensidade que minhas conexões neurais
imploram, mas guardar meu eu de verdade para quando – e se – houver intimidade.
Por isso, adoro narrar as histórias vividas com homens que nunca mais verei, talvez
porque nunca me pediram pra voltar, mas, principalmente, porque eu nunca quis.
Aquele diálogo à meia-luz, no entanto, me
parecia perigosamente sincero – em que pese a inegável hipérbole, porque
“sempre” é mesmo muito tempo. O cinismo da prematuridade flerta com os
românticos, porque vez ou outra a gente cogita voltar a acreditar que os astros
se alinham e haverá alguém para cantar a segunda voz em Dueto de Chico Buarque.
Tudo, em que pese hipnótico, não passa de um bom diálogo a ser transcrito em
crônica.
Assim como o dia em que atravessei a Avenida
Paulista de patinete à meia-noite, abraçada na cintura de um irlandês, da
Consolação à Brigadeiro Luis Antonio, rindo e dizendo a ele que iríamos morrer;
ou o dia em que bati o martelo de que aceitaria sair com um documentarista
porque queria muito ouvi-lo falar sobre o Modernismo brasileiro, tema que me
tira dos eixos e eu adoro gente inteligente; ou o dia em que o professor de direito penal me levou para conhecer
as cachoeiras de Goiás, num domingo que passei por Brasília; ou outras tantas
histórias que vivi para escrever, ou escrevi porque escolhi viver daquele jeito,
capturada pelo momento e captando todos os detalhes.
No dia seguinte, apesar de termos nos
encontrado, só não cumpri minha promessa de voltar por razões alheias ao
planejado. Ele me deixou em casa e, ao se despedir, perguntou:
“Te vejo durante a semana?”
“Quantas vezes?” – fiz uma provocação, pra
ver a reação e testar a sagacidade da resposta.
“Uma: você vem e fica.”
O homem é bom em exageros e respostas inusitadas, e agradeço a ele pelo material para a escrita, em que pese o futuro tenha se revelado como o esperado. Talvez meu viver em hipérbole seja tão passageiro e intenso quanto o vento, que passa levantando os pelos dos braços, mas uma hora ou outra vai embora, porque nenhum lugar lhe cabe e ainda não apareceu alguém capaz de lidar com os reboliços que ele é capaz de causar. O vento: hiperbólico, infinito em si mesmo e convictamente desacompanhado – e tão poético quanto tudo isso.
