Trajada
com o clássico biquíni rosa pink, camisa de botão listrada rosa com branco
e usando um chapéu de palha que finge certa elegância, tomava a quarta cerveja
sozinha, embaixo do guarda-sol, na Praia da Barra em Salvador. Experimentava
aquela ótima sensação de estar quase bêbada, em que as pontas dos dedos ficam
mais sensíveis e os sorrisos ficam mais fáceis. Foi quando, por coincidência ou
oportunidade, passou um andarilho e se ofereceu pra tirar meu tarot por
cinquenta reais. À beira da boemia, a carteira também se abre mais fácil. Topei
a leitura de tarot, ansiosa por um spoiler que me deixasse satisfeita (e
indicasse, pelo menos, que em algum momento eu me encaixaria em algum lugar e
me encontraria nessa vida).
O
cara desconhecido pegou o baralho, distribuiu as cartas na areia e se pôs a
falar várias coisas sobre meu signo e meu comportamento, de um jeito genérico o
suficiente pra eu me identificar, mas sagaz o bastante pra eu não perceber que
era tão genérico (e achar que fazia parte do misticismo falar trocando a ordem
das frases). Mestre Yoda já havia ensinado essa lição, então alguma coisa de
sábio o leitor de tarot tinha, nem que fosse a malandragem. Em resumo, a
mensagem que ficou é que eu mudaria de cidade, seria uma senhorinha muito rica,
mas nunca encontraria um amor para a vida. Seduzida por ideias que já não fazem
sentido aos meus trinta anos, me dei por satisfeita e aceitei as conclusões.
Hoje,
após mudar de cidade e vivendo uma solitude umami, experimento um certo receio
de que ele tenha acertado sobre a minha vida amorosa. Muito embora eu tenha
aprendido os caminhos para me bastar, cresci assistindo a comédias românticas
clichês e precisei passar por um longo processo de autoconhecimento pra assumir
quereres que contradizem a satisfação que senti com a leitura do tarot: o de encontrar
o amor por aí, daqueles que eu descreveria como a intimidade de um café da
manhã em casa, num domingo qualquer. O amor, após um artigo definido e
para usar carinhosamente pronomes possessivos, sem precisar de plural. Daquelas
histórias de amor que crescem e amadurecem como as orquídeas: às vezes florido,
às vezes sem flores; mas sempre lá, vivo, desde que receba cuidado e atenção. A
metáfora não é minha, mas guardei após ser dita por um jardineiro.
Há,
no entanto, um quebra-molas em minha frente. Descobri que sou diferente e, por
sê-lo, também amo diferente. Por isso, como um filhote de gato abandonado e
escondido atrás da roda de um carro, os pêlos da coluna se arrepiam ao pensar
em me aventurar de novo. A tentativa é sempre insegura, o que define os rumos
da narrativa é a atração ou aversão ao risco (que o animal arisco, quando
domesticado, ignora). As diferenças que me fazem sentir tudo tão intensamente talvez
sejam as que me afastam de viver uma história de amor em que a mesma quantidade
de carros transita pela via de mão dupla, e são justamente elas que me causam o
medo do improvável. Acostumada a bradar as músicas de Maria Bethânia sozinha em
casa e a apostar muito, muito alto, não posso ignorar o processo de
autoconhecimento inerente à solitude e ao amadurecimento que o momento exige.
Talvez
seja esse o plot que o cara do tarot de Salvador não revelou: eu me
guardaria em uma redoma de vidro, com flores lindas de serem admiradas, mas
delicadas demais para enfrentarem os voos das abelhas e borboletas. No fundo,
torço pra que ele seja simplesmente um místico fanfarrão e eu apenas uma bêbada
idiota que perdeu dinheiro, em que pese o curso da história venha mostrando o
contrário e Bethânia sussurre prudência na caixa de som sob a luz amarela da
luminária neste sábado à noite em casa.
