quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Algodão doce cor-de-rosa


O pipoqueiro estava passando na rua e eu ouvi de longe a típica buzina. Ao avista-lo, logo me animei pra comprar o algodão doce cor-de-rosa que estava pendurado do lado esquerdo do carrinho de madeira. Passei o dia sonhando acordada com um docinho, qualquer que fosse. Estava em um nível de abstinência tão absurdo que até uma barra de cereal de morango ajudaria a ânsia pela glicose no sangue. Ao ver o pipoqueiro e ouvir sua buzina, a boca começou a salivar imediata e instintivamente, pensando no algodão doce cor-de-rosa derretendo e provocando orgasmos às papilas gustativas.
Rapidamente, desfiz o nó do barbante que amarrava o saco do doce comprado e, triunfantemente, enfiei um tufo na boca. O algodão doce derreteu, mas não como as esperadas nuvens explodindo açúcar e grudando nos dentes molares, o gosto era mais parecido com pirulito velho que fica na barraquinha de bombom e ninguém quer, e quando a gente, desafortunadamente, resolve comprar, o pirulito é tão antigo que o papel fica um pouco grudado antes de se soltar.
Foi uma decepção. Esperei tanto do algodão doce, mas ele jogou minhas expectativas dentro do esgoto e me fez recordar que não é só o algodão doce que nem sempre é tão docinho assim.
A partir daquele momento, o dia ensolarado e azul passou ressaltar o calor que faz em dias ensolarados e azuis. Deixei de admirar o contorno das nuvens fofas para perceber que nem sempre as nuvens branquinhas formam desenhos no céu, aliás, elas só me fizeram lembrar do maldito algodão doce com gosto de pirulito passado do dia certo de chupar.
Assim foi no último momento do dia: quando peguei o computador para escrever qualquer coisa que viesse à cabeça, como costumava fazer. O algodão doce, apesar de doce, pareceu aquele pirulito quase passando da validade que ninguém compra na banca de bombom. Mesmo nunca enjoando de algodão doce e sempre querendo mais, aquele, justamente aquele, não estava tão bom assim. O gosto somente lembrava o sabor costumeiro dos melhores algodões doces que provei na vida, mas não chegava aos pés, não se comparava, não derretia e não tinha o sabor certo do açúcar cor-de-rosa. Apesar de doces, as palavras não derreteram como costumavam derreter e não as devorei como costumava devorar. Pelo contrário, larguei um pouco de lado o algodão doce e pensei: o que diabos aconteceu para que ele ficasse com gosto de pirulito velho?
Levantei da cadeira, dei um nó na embalagem e larguei de mão a nuvem cor de rosa. Fui ao banheiro escovar os dentes e pensei: talvez eu não tenha mais o jeito certo para me deliciar com algodão doce.
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