quarta-feira, 12 de maio de 2021

Para dizer o mínimo

Gil e Chico cantaram que é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar, mas o que seria a vida, senão a tentativa constante de preencher o espaço ocupado somente pelo ar? A vida é vazia, justamente por ser tão cheia. Sem tempo para apurar o sabor do líquido no copo, engolimos de uma vez as verdades de um suco cheio de caroços.

A agenda está cheia de ar e de encontros inúteis, conversas fúteis, em terrenos que seriam férteis se não estivessem sobrecarregados e sugados. Na ânsia de visitar o museu de grandes novidades, o futuro repete o passado, disse Cazuza. A questão é que, mesmo diante de todas as primeiras vezes, sinto saudade do líquido que preenchia o copo... que agora só tem ar.

Para disfarçar a dor e anestesiá-la, encho o copo de vinho. Queria dizer mais, mas tento verbalizar apenas o mínimo. Se escrever é expor as entranhas, fujo de mim mesma e me calo pra esconder de mim meus próprios calos, que não sei bem onde ficam. O copo está cheio de ar, por minha escolha: uma metade cheia, uma metade vazia; uma metade tristeza, uma metade alegria... é a tal da magia da verdade inteira, que não sei onde encontrar, porque estou fracionada em cada uma das minhas desassossegadas dispersões. Sou despida de vergonha de assumir o não saber, por isso caminho em silêncio, tentando afrouxar a garganta. Para dizer o mínimo, molho os pés na água cantarolando Cartola sob a afrontosa luz da lua minguante: deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar sorrir pra não chorar.



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