Gil
e Chico cantaram que é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar, mas
o que seria a vida, senão a tentativa constante de preencher o espaço ocupado
somente pelo ar? A vida é vazia, justamente por ser tão cheia. Sem tempo para
apurar o sabor do líquido no copo, engolimos de uma vez as verdades de um suco
cheio de caroços.
A
agenda está cheia de ar e de encontros inúteis, conversas fúteis, em terrenos que
seriam férteis se não estivessem sobrecarregados e sugados. Na ânsia de visitar
o museu de grandes novidades, o futuro repete o passado, disse Cazuza. A
questão é que, mesmo diante de todas as primeiras vezes, sinto saudade do
líquido que preenchia o copo... que agora só tem ar.
Para
disfarçar a dor e anestesiá-la, encho o copo de vinho. Queria dizer mais, mas
tento verbalizar apenas o mínimo. Se escrever é expor as entranhas, fujo de mim
mesma e me calo pra esconder de mim meus próprios calos, que não sei bem onde
ficam. O copo está cheio de ar, por minha escolha: uma metade cheia, uma
metade vazia; uma metade tristeza, uma metade alegria... é a tal da magia
da verdade inteira, que não sei onde encontrar, porque estou fracionada em cada
uma das minhas desassossegadas dispersões. Sou despida de vergonha de assumir o
não saber, por isso caminho em silêncio, tentando afrouxar a garganta. Para dizer
o mínimo, molho os pés na água cantarolando Cartola sob a afrontosa luz da lua minguante:
deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar sorrir pra não chorar.
