sábado, 23 de dezembro de 2023

The same old fears

Todo dezembro acaba doendo mais, mesmo que eu finja dar de ombros às datas comemorativas e fraternais que envolvem a cultura ocidental. Assim como todo agosto é mascarado pela justificativa comercial por trás das homenagens, e como todo início de janeiro vem assombrado, porque ainda não encontrei um argumento para fingir indiferença.

É véspera da véspera de Natal, eu me flagrei chorando idiotamente em frente à fatia de cheesecake de amoras e do copo cheio de água com gás com uma rodela de limão. Enquanto isso, as outras mesas confraternizam por terem encontrado buracos sincronizados na agenda para sentar frente a frente e compartilhar amenidades, casais se beijam e abraçam envolvidos pelo delicioso otimismo de que dessa vez vai. Gosto de observar a felicidade enquanto as lágrimas escorrem pelos cantos externos dos meus olhos, estragando o delineado gatinho que fiz especialmente para conhecer o corte de cabelo que eu escolhi para o ano seguinte. Todo dezembro, inevitavelmente, dói mais. 

Aprendi a lidar com o luto de diferentes maneiras desde que você se foi. Dessa vez, contudo, foi difícil encarar a decoração de Natal na Avenida Paulista e não lembrar daquela foto em que você estourou o laranja de um enfeite no canto esquerdo da câmera profissional que você usava para fingir habilidade. Lembro dessa foto como se fosse ontem, mas perdemos em algum HD que só você sabia em que lugar guardava. Malditas fotografias digitais, guardam recordações e se perdem na fumaça de uma nuvem ou em um cartão de memória largado por aí.

Eu já sei contar piadas sobre o que você diria em ocasiões específicas, mas dói imensamente você não saber em detalhes o meu novo endereço e não ter lido uma linha sequer do meu livro lançado no ano que passou. Tento não pensar sobre isso e evito o assunto sempre que posso, mas em dezembro, na véspera da véspera de Natal, a Avenida Paulista não me deixou ignorar o buraco em meu peito por saber que amanhã não vamos cantar as clássicas da mpb ao som de voz e violão, daquele jeito desafinado e sincronizado que fazíamos desde que me entendo por gente. Dezembro acaba doendo mais, porque a cada virada de ano que passa eu me afasto daquela em que recebi sua ligação repetindo ininterruptamente que me amava, tentando sobrepor o grito ao barulho que fazia no fundo da ligação. Se o meu telefone tocar, nunca mais será você.

Na véspera da véspera de Natal, em frente à fatia de cheesecake de amoras e ao copo de água com gás, caiu a ficha de que nunca vou poder me exibir por dar conta das ladeiras de Perdizes no meu carro de marcha manual. Também não vou poder ouvir você resmungar por eu ter cortado meu cabelo na altura do queixo, seguido do comentário de que eu deveria deixá-lo crescer para você tocar de novo aquela do Caetano pra mim. Tampouco vou poder reclamar das minhas últimas desventuras e ouvir de volta o conselho típico de alguém que já se conformou com as surpresas do mundo: “sabe o que é isso? É a vida”. A morte me encontra viva todos os dias e eu insisto em ficar por aqui, a despeito da nossa precoce despedida, ainda não digerida completamente (embora eu esconda com sarcasmo muitas camadas de saudade).

Em dezembro, na véspera da véspera de Natal, todas as falas previsíveis fazem mais falta. A foto da decoração laranjada está por aí, perdida pelo espaço, e eu jamais poderei vê-la novamente, tanto quanto seu sorriso com o característico diastema entre os dentes da frente. Já aprendi a lidar com a sua ida, mas continuo achando uma afronta. Uma tremenda arrogância do destino provocar tamanha ausência sem que, ao menos, eu pudesse ter mais uma hora ao telefone pra dizer que a decoração da Paulista está horrível de insossa este ano. Um parágrafo carregado de sentimentos incondizentes com a data em que o texto está sendo escrito, enquanto estou com a maquiagem borrada entre completos desconhecidos, profundamente satisfeita por ser invisível nesta cidade. A casa vai fechar, pedi a máquina de cartão. The same old fears, wish you were here.

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