segunda-feira, 12 de maio de 2014

As Desventuras de Pedro: Querido Buddy



Episódio 2

Pedro resolveu ignorar os contratempos anteriores. Chegou em casa, tomou um banho de álcool e logo foi em busca do amor de sua vida: seu coelho de estimação, Buddy. Tudo fica melhor quando damos amor e recebemos igualmente em troca. Um bichinho de estimação é capaz de proporcionar experiências de afeto recíproco e verdadeiro. Tendo em vista tudo isso, Pedro só queria acariciar os pelos macios de Buddy. Saiu pela casa em busca do coelho. Procurou embaixo dos móveis, embaixo da cama, atrás das portas... Em todos os lugares possíveis, até que resolveu buscar respostas com dois outros moradores da casa: seus irmãos, gêmeos e parceiros de crime.
- João, Rogério, vocês viram o Buddy por aí? – perguntou Pedro.
João prontamente respondeu:
- Claro que sim, ele está em casa, estava com calor e...
- ... nós o colocamos no freezer para se refrescar! – concluiu Rogério, feliz por ter ajudado.
Depois de uma longa pausa acarretada pelo choque que a frase proferida causou em Pedro, a reação imediata foi ir até o freezer ver se realmente o coelho estava se refrescando em um compartimento com “ar condicionado” e compatível com seu tamanho, porém, a temperatura ambiente demasiadamente baixa. Praticamente uma sala de estar refrigerada.
Pedro abriu lentamente a porta do congelador, na esperança de que tudo fosse apenas uma brincadeira de mau gosto dos irmãos mais novos, tudo o que ele desejava era que os irmãos quisessem apenas pregar-lhe uma peça. Porém, para a infelicidade dele, Buddy estava lá. Ainda tinha os pelos macios de sempre, as patinhas felpudas e o focinho peludo, mas, ao que tudo indicava, o coelho havia se refrescado um tanto além do que devia. Buddy estava congelado, não movia um bigode. Era um picolé de coelho.
Instantaneamente, Pedro juntou as mãos e como um imã elas foram ao encontro do pescoço de João. A imobilidade de Buddy era demais para o frágil coração do dono que o amava. O pobre coelho virou defunto, assim como Pedro virou órfão de bicho de estimação.

domingo, 11 de maio de 2014

As Desventuras de Pedro: De Dentro do Bueiro



Episódio 1

Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana (sem folga nos feriados), todos os dias do mês (incluindo os vigésimos nonos dos fevereiros bissextos), Pedro carrega no bolso uma pitadinha de azar. Não há mistagogia que explique o quiproquó que dimana da vida de Pedro, só pode ser sortilégio (ou coisa pior). As histórias de azar de Pedro são improváveis, quiçá impossíveis, coisas que nos fazem assumir a postura de Tomé: “só acredito vendo”.
Preconizo o pobre garoto e convido os caros leitores a inquirir quais os motivos que levam um ser tão inóquo a ter uma gama deveras diversificada de histórias inebriadas de azar.
Depois de um dia cansativo, nosso queridíssimo protagonista finalmente saiu da aula. O dia nublado transformou-se em chuva torrencial e o horário obrigava Pedro a ir embora e tomar um pouco de chuva. A rua alagada implorou que Pedro metesse o pé na água, a fim de alcançar seu carro. Colocou o pé esquerdo e subitamente, sem aviso prévio, deslizou para dentro do bueiro. A chuva gargalhava da cara de Pedro, as pessoas na rua, idem. Dentro do bueiro até a cintura, cheio de água, lama e sabe-se lá mais o quê, Pedro viu-se sem reação.
Nenhuma boa alma prestava socorro ao pobre, até que o reparador de carros, certamente tocado com tamanha falta de sorte, resolveu largar seu guarda-chuva e tentar ajudar o rapaz que carregava, além dos óculos embaçados e molhados, uma nuvem de azar nas costas.
Dentro do carro, encharcado, sujo e com um cheiro pútrido, Pedro resolveu acionar os parabrisas, afinal de contas, chovia (bastante, inclusive). Os parabrisas haviam sumido, escafederam-se. Foi então que a verdade veio à tona: tinham sido roubados. Era absolutamente exequível afirmar que aquele não era o dia de sorte do menino Pedro.
Tudo bem, talvez em alhures a maré mudasse, quem sabe? Talvez fosse a chuva o motivo de tanto mau agouro. Talvez ele não devesse levar em consideração o acontecido em uma perspectiva axial, afinal de contas, celeumas acontecem, não é mesmo?

sábado, 3 de maio de 2014



Ainda sinto meu nariz percorrer o seu pescoço e inspirar de leve o aroma do seu sabonete. Sinto o seu cheiro macio percorrer as batidas aceleradas do meu coração, nessa sinestesia maluca que chamam de amor. Vez ou outra, ouço sua voz aveludada falando meu nome bem baixinho ao pé do meu ouvido. Às vezes, apesar de tentar evitar, abro a gaveta e fico observando a sua camisa que ficou comigo. Remexendo minhas coisas, de vez em quando encontro uns rabiscos que trocamos. Ainda posso escutar a sua risada, digna de quando eu falava coisas sem sentido que só você ria. Em alguns dias, posso até sentir seu abraço e encostar minha cabeça no seu peito. Às vezes, até tento lembrar a sua altura comparando com as pessoas que passam na rua. Algumas madrugadas abrigam os meus risos contidos, causados pela lembrança das nossas piadas internas. 
Por mais que eu tente fugir, por mais que eu tente evitar, por mais que eu tente esconder: você ainda está aqui, comigo. 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Verde iridescente



O sol acordou e cintilava. O astro rei do Sistema Solar emanava luz, calor e novidade. Desde o sábado, eu imaginava aqueles lábios rosa queimado e esperava pelo momento de experimentá-los. Tomei os cadernos pelo braço e fui para a parada de ônibus ao som de Here Comes The Sun.
Coloquei os pés na faculdade e caminhei rumo à minha sala, tudo como em qualquer outro dia prosaico. Foi então que meu celular apitou e, como quem foge de uma aranha caranguejeira, sorrateira e discretamente, fugi da aula para vê-lo pela segunda vez.
Caminhamos um ao encontro do outro e nossos rostos dimanavam sonolência. Chegamos à beira do rio e, finalmente, seus lábios cor de uva encontraram o caminho até os meus.
Sentamos na beira, as árvores dançavam ao nosso redor, o vento era o maestro da sinfonia daquela terça-feira. Seus dedos enroscavam em meus cabelos enquanto minhas mãos agarravam-lhe a nuca. Na faculdade não poderíamos estar, estávamos alhures, dois estranhos conhecidos.
Pausas curtas nos permitiam olhos nos olhos, seu verde estava sincronizado com o verde das plantas, da grama, do rio e da minha camisa. Tudo fazia parte de um estranho conjunto mistagógico. Ele levantava o queixo e me olhava por cima, de modo que sua pálpebra ficava meio aberta. Juntamente, levantava as sobrancelhas de um jeito espontâneo e engraçado, enquanto o vento atrapalhava a minha apreciação jogando meus curtos fios de cabelo sobre meus olhos.
Não havia necessidade de trilha sonora, o bater das folhas tomou para si essa função. O sol tornava hipnótica a miscelânea de contrastes. Depois de muitos sorrisos largos e olhares por cima do queixo, nos despedimos e guardei no bolso uma história que merecia ser escrita.