Parece que, do centro para fora, estou
congelando. Ao mesmo tempo, de fora para dentro, estou derretendo. Um nó na
garganta que não se desfaz. Eu não sei o porquê, não sei o gatilho. Só
acontece, do nada, sem aviso prévio ou explicação posterior. Quando deito na
cama, parece que meu corpo e o colchão têm um ímã tão forte que não consigo
levantar, mesmo que eu queira fazer coisas, quaisquer que sejam. É como se
estivesse subindo a serra à noite com a estrada cheia de neblina, tremendo de
frio e morrendo de calor simultaneamente. Parece que as larvas me corroem por
dentro e não consigo me livrar delas, mesmo que tente ininterruptamente.
Eu me esforço pra ser feliz. Escuto as
músicas que costumava gostar, leio os livros pelos quais costumava me
interessar, faço planos que em tempos normais me dariam tesão em realizar. Mas
continuo apática. Catatônica. Gelada e quente. Trêmula da cabeça aos pés. Sem
conseguir sequer chorar ou dar um passo adiante. É um querer da morte, mas sem
morrer. Uma singela sensação de inexistência ou de sumiço.
Quando lembro daquela pessoa que
costumava ser falante e espontânea, desconheço-a. Parece que foi outra
encarnação, ou simplesmente um personagem que criei e matei dentro de mim
enforcada por esse nó de marinheiro. Eu deveria estar feliz, mas acho que não
sei mais. A vida está simpática e agradável, eu é que me perdi. Estou dentro de
um redemoinho de mim mesma. Sou incapaz de avançar ou de terminar as coisas.
Como este texto, que deixo pela metade, antes mesmo de chegar à ansiedade.
(dia/mês/ano)
Outro dia, mesma sensação.
Há quase uma semana com o choro
engasgado, em um blackout de felicidade. Enxergo apenas círculos
concêntricos em tons de preto e escuridão, como quando era criança e esfregava
os olhos até ter essa sensação. Em alguns momentos, sei o porquê do choro. Em
outros, não consigo explicar e procuro o primeiro motivo que estiver à vista.
Problemas que até duas semanas atrás eram apenas incômodos, nos últimos tempos
têm sido dementadores. Racionalmente, tento explicar para mim mesma que para
deixar de ver o escuro basta abrir os olhos. Não consigo. Pálpebras costuradas
por uma linha invisível.
Hoje tomava um sorvete em um local
aberto. O sorvete derretia sem parar, mais rápido que o normal. Minha língua
nervosamente tentava conter as gotas de chocolate escorrendo pelos meus dedos,
mas ainda que eu tentasse lamber por todos os lados, quando estava secando uma
banda, a outra insistia em ser mais veloz. Olhei para o sorvete e pensei: sou
eu. Enquanto derreto por um lado, tento secar o outro, mas a verdade é que
estou inteira banhada de chocolate, com a casquinha amolecida e chocha, o
guardanapo enxarcado e inutilizável, tentando conter o inevitável.
Já não tenho me esforçado para ouvir
música e raramente acho que estou bonita. Poucos amigos me sobraram e não sinto
vontade de procurar novos. Se a depressão fosse os estados da matéria, depois
de derreter, o natural é que eu evapore de mim mesma. Virei então um zumbi que
anda por todos os lados, cheio de culpa e remorso, sem lembrar da sensação da
esperança preenchendo minimamente o coração.
“Pra onde você está olhando? O que você
está pensando?”. Para lugar nenhum, em nada. Olhando tão fixamente que a vista
embaça e a cabeça faz eco. Tão silêncio que escuto o barulho da marcha das
formigas. Tão solitária que não aguento mais minha própria voz. Tão engasgada
que está pra faltar o ar. Espero que tão logo falte, de um jeito que eu evapore
tão bem que nunca mais seja capaz de condensar novamente. Ainda não tive
coragem de mudar a temperatura, mas torço bastante para que a meteorologia
falhe e a onda de calor intenso chegue sem avisar, derretendo sorvetes e
evaporando de vez o que não serve mais.
Daqui a pouco faço 27, existe uma
expectativa nesse número quando se trata de fins de itinerários. Tomei três
gotas em uma colher de chá, mas não adiantou tanto. De toda forma, é hora de
tentar dormir.
(dia/mês/ano)
Vou continuar?
