Depois
de sair da oftalmologista, embora não tivesse tantas certezas quanto à receita,
precisei investir em novos óculos. A tendência é que enxerguemos o mundo pelas
lentes que estamos acostumados, sejam elas boas ou ruins para nossos olhos. Se
estamos habituados ao par de lentes, acabamos nos sentindo mais ou menos
confiantes para acelerar ou andar mais vagarosamente. Eu estava acostumada a
correr, só que precisei acalmar o passo para enxergar melhor, mesmo com os
óculos antigos.
Não
vou dizer que foi fácil, mas devo confessar que a doutora estava certa e foi o
mais adequado a se fazer. Dei alguns tropeços, na ânsia de correr, mas era
preciso, antes de tudo, caminhar. Na minha cabeça, ouvia constantemente o “Tec,
tec. Troca de lentes. Melhorou ou piorou?”. A bem da verdade, quem dita o ritmo
a dois é o ajuste. Pensei que não daria certo, cheguei a desistir, mas resolvi
apostar que o trajeto é melhor que a velocidade e eu queria, então, viver para
ver aquela nova história. Com a receita em mãos, fomos à ótica.
Separamos
diversas armações, arredondadas e pretas, para escolher a que ficasse melhor no
rosto dele. Ele experimentava, eu opinava, ele ponderava e separava as
classificadas. Se eu já admirava o quão bonito ele é, nesse dia admirei mais.
Para isso, não preciso de suportes oculares, pois enxergo bem as obviedades.
Assim como as armações de óculos, o amor tem que ser leve: não deve pesar no
rosto, tampouco no coração.
A
questão é que, para ter novos óculos, é preciso abandonar as lentes antigas.
Reconheci os arranhões nas minhas e ele estava, afinal, escolhendo novos
óculos. Para escrever novas histórias, é necessário olhar para a tela do
computador vestindo o novo grau. Para não tropeçar, é imprescindível o ajuste –
e, do lado de cá, acho que estamos começando a acertar o passo.
Quando
se sente, deve ser fácil enxergar o outro pela manhã, deitado embrulhado, com a
luz do sol entrando pelo balancim, após uma programação rotineira na
quarta-feira à noite. Deve ser simples fumar um cigarro na praça, enquanto se
questionam sobre os mistérios do futuro e as coincidências que os rodeiam. Deve
ser gostoso como uma transa à meia-luz, ainda que silenciosa e discreta. Deve
ser tão saboroso quanto um almoço inesperado, daqueles que acontecem pura e
simplesmente pela fluidez da noite anterior e do dia seguinte.
É
fácil sentir, difícil é enxergar. Aqui mora o otimismo: estamos trocando as
lentes. De óculos redondos e pretos ou quadrados e rosas, o importante é ver um
ao outro. E eu o vejo, admiro, provoco e espero. Ele, de outro lado, compreende
também minhas passadas largas com as pernas curtas, segurando na minha mão e
acreditando tanto quanto eu na tentativa de acertar o passo. Eu só quero que
ele leia o texto que eu fiz pra dizer que o adoro cada vez mais, e que eu o
quero sempre em paz. Porque estou pensando em você, agora e sempre mais.
Continuação do texto anterior.
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