segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Ótica

 


Depois de sair da oftalmologista, embora não tivesse tantas certezas quanto à receita, precisei investir em novos óculos. A tendência é que enxerguemos o mundo pelas lentes que estamos acostumados, sejam elas boas ou ruins para nossos olhos. Se estamos habituados ao par de lentes, acabamos nos sentindo mais ou menos confiantes para acelerar ou andar mais vagarosamente. Eu estava acostumada a correr, só que precisei acalmar o passo para enxergar melhor, mesmo com os óculos antigos.

Não vou dizer que foi fácil, mas devo confessar que a doutora estava certa e foi o mais adequado a se fazer. Dei alguns tropeços, na ânsia de correr, mas era preciso, antes de tudo, caminhar. Na minha cabeça, ouvia constantemente o “Tec, tec. Troca de lentes. Melhorou ou piorou?”. A bem da verdade, quem dita o ritmo a dois é o ajuste. Pensei que não daria certo, cheguei a desistir, mas resolvi apostar que o trajeto é melhor que a velocidade e eu queria, então, viver para ver aquela nova história. Com a receita em mãos, fomos à ótica.

Separamos diversas armações, arredondadas e pretas, para escolher a que ficasse melhor no rosto dele. Ele experimentava, eu opinava, ele ponderava e separava as classificadas. Se eu já admirava o quão bonito ele é, nesse dia admirei mais. Para isso, não preciso de suportes oculares, pois enxergo bem as obviedades. Assim como as armações de óculos, o amor tem que ser leve: não deve pesar no rosto, tampouco no coração.

A questão é que, para ter novos óculos, é preciso abandonar as lentes antigas. Reconheci os arranhões nas minhas e ele estava, afinal, escolhendo novos óculos. Para escrever novas histórias, é necessário olhar para a tela do computador vestindo o novo grau. Para não tropeçar, é imprescindível o ajuste – e, do lado de cá, acho que estamos começando a acertar o passo.

Quando se sente, deve ser fácil enxergar o outro pela manhã, deitado embrulhado, com a luz do sol entrando pelo balancim, após uma programação rotineira na quarta-feira à noite. Deve ser simples fumar um cigarro na praça, enquanto se questionam sobre os mistérios do futuro e as coincidências que os rodeiam. Deve ser gostoso como uma transa à meia-luz, ainda que silenciosa e discreta. Deve ser tão saboroso quanto um almoço inesperado, daqueles que acontecem pura e simplesmente pela fluidez da noite anterior e do dia seguinte.

É fácil sentir, difícil é enxergar. Aqui mora o otimismo: estamos trocando as lentes. De óculos redondos e pretos ou quadrados e rosas, o importante é ver um ao outro. E eu o vejo, admiro, provoco e espero. Ele, de outro lado, compreende também minhas passadas largas com as pernas curtas, segurando na minha mão e acreditando tanto quanto eu na tentativa de acertar o passo. Eu só quero que ele leia o texto que eu fiz pra dizer que o adoro cada vez mais, e que eu o quero sempre em paz. Porque estou pensando em você, agora e sempre mais.

Continuação do texto anterior.

(2/2)

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