Rever fotos antigas é algo que todos fazem, inclusive eu. Vira uma página, volta duas, e assim vou seguindo na minha atividade: gerar saudade. Entre uma página e outra eu encontro aquele tio de quem não lembro o nome ou aquela tia chata que apertava minhas bochechas e perguntava: e aí, já virou mocinha? Eu sempre ficava irritada (apesar de não demonstrar), eu era a típica menina que tinha todas as Barbies de todas as coleções, e nem pensava em trocá-las por soutiens e absorventes.
Ah! Que delícia era a minha rotina: acordar, brincar, correr, pular, dançar, passear e estudar. Até ir pra escola se tornava divertido naquelas condições. Lembro-me de mim pequenininha, magricela e cabeluda. A minha única obrigação era ser uma criança feliz, independente de como eu fizesse isso.
As tardes de segunda, quarta e sexta-feira eram as minhas favoritas. Eram os dias em que eu fazia o meu coque (meio torto, mas eu já me sentia grandinha o suficiente para fazê-lo), vestia minha meia-calça cor-de-rosa, collant e colocava as sapatilhas na maleta, destino: aulas de ballet. Adorava! Girava, saltava, dançava conforme a música e também conforme o coração. Uma menina cheia de sonhos, com um estoque de sapatilhas e uma agenda de apresentações de natal.
Havia também as aulas de violino e os dias de concerto. Era hora de colocar a camisa branca e a sainha preta e me sentir uma musicista nata. Os ensaios do grupinho de flauta e no final do ano, do coral natalino. As apresentações gigantescas e em vários lugares da cidade. Eu me sentia uma verdadeira celebridade.
Adorava viajar, principalmente quando o destino era a praia. Aquela água que ia e vinha me deixava totalmente intrigada, ela era cheia de ondas com espumas branquinhas. Eu era uma artista muito bem preparada, fazia castelos de areia como ninguém. E no final do dia, com toda aquela areia eu praticamente me transformava em uma miniatura de menina à milanesa.
Os almoços na casa do vovô e da vovó, e os passeios na praça com o titio. Os clássicos da Disney eram assistidos até a fita VHS não aguentar mais rodar os mesmos filmes. O meu preferido era "A Branca de Neve", o apelido é usado pelo meu avô até os dias de hoje, uma maneira de me sentir aquela garotinha novamente. E quanto o filme terminava, era hora de rebobinar e começar tudo outra vez.
Minha casa, como o clichê indica: o melhor lugar do mundo. A casinha de madeira colorida no quintal, meu conjuntinho de mesas e cadeiras cor-de-rosa, meu balanço e minha gangorra. Sem contar com a minha bicicleta e todos os outros brinquedos que toda criança gostaria de ter, além da felicidade de não ter preocupações de gente grande. Uma criança que gostava de ser criança, e queria ser como Peter Pan, eternizar a infância em todas as fases da vida.
Adorava todos os meus cachorros, mas havia uma que era especial: a Kim. Não houve e não haverá no mundo um cachorro que seja se quer parecido com ela. Brincava de pega-pega, esconde-esconde, todas as brincadeiras propostas a ela eram aceitas. Kim era guardiã, amiga, companheira e brincalhona. Tomava banho de chuva e subia as escadas da minha casinha de madeira como se fosse um ser humano. Chegar em casa era a maior alegria, ela me enchia de lambidas inebriadas de cumplicidade. Sem falar todas as peripércias que já fizemos juntas, segredo nosso!
Queria eu que existisse uma máquina do tempo, ou qualquer outra maneira de voltar ao passado e matar todas as saudades. Um jeito de estravasar essa angústia gigantesca que hoje eu sinto ao lembrar daquela felicidade, e saber que como era, nunca será novamente. Quiçá um dia eu possa proporcionar aos meus filhos uma infância como a minha, e que eles possam lembrar dela da mesma forma que eu lembro de como era ser criança: cheia de lágrimas nos olhos, por saber que tive a melhor infância do mundo.
